Chucrute
Entrar para uma nova família não é tarefa fácil. Um sogro a conquistar, uma sogra a conquistar. Um sobrinho a fazer parar de vomitar na sua perna. Lógico, você desenvolve artifícios: um presente para o sogro, um elogio para a sogra, um empurrão discreto no sobrinho... E há ocasiões que podem facilitar o acesso à família da sua noiva (lembre-se: nesse momento você ainda tem vontade de entrar para a família, sem saber de onde está se metendo).
Ethel e Ervin, no entanto, eram os sogros perfeitos. Mantinham-se bêbados a maior parte do tempo, para disfarçar a surdez que já não era tão parcial assim. Mesmo quando ouviam, não entendiam muito bem o português - que chegaram a falar bem, antes da aposentadoria. Você dizia "bom dia", Ervin respondia "Opa!" e ria. Você dizia "Adorei o chucrute, Ethel" e recebia "Ah!" e uma gargalhada como resposta.
Hugo já tinha passado dois natais com a família da noiva. Ficou surpreso de passar tanto tempo sem nenhuma ameaça de morte caso o casamento não viesse logo. Era a família perfeita. Até a cunhada era boa gente. Não tinha bom papo, mas ficava quieta e sorria - até que arranjou um namorado.
Na estratégia de Hugo, isso era ótimo. No mínimo, um aliado. Quem sabe, um amigo. Um outro abençoado para dividir a família perfeita, uma pessoa a mais na mesa do Natal. Um bêbado a mais, um que pelo menos teria papo além de soltar pum e rir alto durante a ceia.
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Era noite de Natal. O cunhado apareceu com flores para Ethel, que ficou maravilhada. "Por que eu nunca pensei nisso antes, pôxa?", pensou Hugo. Mancada. Ethel sorriu e disse "Que genro lindo que eu fui arranjar!".
Pânico. Ethel... falava? Bom, era um evento raro naquela família, mas acontece. Fazer o quê? O elogio era mérito do cunhado - mas tudo bem, mais hora ou menos hora ele também daria uma mancada e ficariam elas por elas.
O cunhado tirou uma faca enorme da mochila e foi em direção ao sogro. "Agora fodeu", pensou Hugo, "que bom.".
Ervin ergueu as mãos para o céu, fez cara de surpresa no rosto gordo e careca (ele conseguia ser gordo até na careca, como todo bom alemão de idade) e ninguém entendeu sua alegria.
"Uma kornkepffelhanger! Uma kornkepffelhanger! A faca perfeita para sohn töten ärgerlich!"
Foi o maior porre de noite de natal na vida de Hugo.
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Foram dez anos de natais perdidos. Hugo nunca mais teve coragem de olhar para a cara dos sogros. Ele era o pior genro da face da Terra. Tudo culpa daquele cunhado maldito.
A noiva (que já tinha até virado esposa, convencida de que a ideia de casar em Paris só com a presença do Hugo era só romantismo e não pânico de encontrar os sogros) insistia todos os natais. "Que é isso, amor... Mágoa boba. Leva uma faca você também!".
Hugo sabia que não encontraria a faca certa. Chegou até a ir a um psicólogo para se tratar - quem sabe fosse loucura mesmo, quem sabe os sogros não o odiassem. Quem sabe, depois de tanto tempo, eles odiassem mesmo era o cunhado. Quem sabe a faca tivesse perdido o fio.
Foram dois anos de terapia. Era outubro e Hugo já tremia de ansiedade. No próximo natal, visitaria os sogros. Essa mágoa ia acabar.
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Ethel colocou neve de mentirinha (na verdade, isopor raspado até formar bolinhas) em todo o teto da casa (na primeira chuva, o isopor entupiu todos os bueiros da vizinhança). A casa nunca pareceu tão aconchegante.
Hugo entrou, cumprimentou os sogros. "Aop!", disse Ervin, e riu. "Oi!", disse Ethel, e riu, somente para ser interrompida pela entrada do outro genro.
"Seu Ervin!" - maldito cunhado - "Olha aqui, outra kornkepffelhanger pro senhor!".
Não deu nem tempo de Ervin falar que adorou e que tinha o melhor genro do mundo. Hugo pulou no pescoço do cunhado e apertou até que o mal estivesse feito. Um cunhado a menos no mundo.
"Opa!", disse Ethel, e gargalhou.
Ethel e Ervin, no entanto, eram os sogros perfeitos. Mantinham-se bêbados a maior parte do tempo, para disfarçar a surdez que já não era tão parcial assim. Mesmo quando ouviam, não entendiam muito bem o português - que chegaram a falar bem, antes da aposentadoria. Você dizia "bom dia", Ervin respondia "Opa!" e ria. Você dizia "Adorei o chucrute, Ethel" e recebia "Ah!" e uma gargalhada como resposta.
Hugo já tinha passado dois natais com a família da noiva. Ficou surpreso de passar tanto tempo sem nenhuma ameaça de morte caso o casamento não viesse logo. Era a família perfeita. Até a cunhada era boa gente. Não tinha bom papo, mas ficava quieta e sorria - até que arranjou um namorado.
Na estratégia de Hugo, isso era ótimo. No mínimo, um aliado. Quem sabe, um amigo. Um outro abençoado para dividir a família perfeita, uma pessoa a mais na mesa do Natal. Um bêbado a mais, um que pelo menos teria papo além de soltar pum e rir alto durante a ceia.
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Era noite de Natal. O cunhado apareceu com flores para Ethel, que ficou maravilhada. "Por que eu nunca pensei nisso antes, pôxa?", pensou Hugo. Mancada. Ethel sorriu e disse "Que genro lindo que eu fui arranjar!".
Pânico. Ethel... falava? Bom, era um evento raro naquela família, mas acontece. Fazer o quê? O elogio era mérito do cunhado - mas tudo bem, mais hora ou menos hora ele também daria uma mancada e ficariam elas por elas.
O cunhado tirou uma faca enorme da mochila e foi em direção ao sogro. "Agora fodeu", pensou Hugo, "que bom.".
Ervin ergueu as mãos para o céu, fez cara de surpresa no rosto gordo e careca (ele conseguia ser gordo até na careca, como todo bom alemão de idade) e ninguém entendeu sua alegria.
"Uma kornkepffelhanger! Uma kornkepffelhanger! A faca perfeita para sohn töten ärgerlich!"
Foi o maior porre de noite de natal na vida de Hugo.
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Foram dez anos de natais perdidos. Hugo nunca mais teve coragem de olhar para a cara dos sogros. Ele era o pior genro da face da Terra. Tudo culpa daquele cunhado maldito.
A noiva (que já tinha até virado esposa, convencida de que a ideia de casar em Paris só com a presença do Hugo era só romantismo e não pânico de encontrar os sogros) insistia todos os natais. "Que é isso, amor... Mágoa boba. Leva uma faca você também!".
Hugo sabia que não encontraria a faca certa. Chegou até a ir a um psicólogo para se tratar - quem sabe fosse loucura mesmo, quem sabe os sogros não o odiassem. Quem sabe, depois de tanto tempo, eles odiassem mesmo era o cunhado. Quem sabe a faca tivesse perdido o fio.
Foram dois anos de terapia. Era outubro e Hugo já tremia de ansiedade. No próximo natal, visitaria os sogros. Essa mágoa ia acabar.
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Ethel colocou neve de mentirinha (na verdade, isopor raspado até formar bolinhas) em todo o teto da casa (na primeira chuva, o isopor entupiu todos os bueiros da vizinhança). A casa nunca pareceu tão aconchegante.
Hugo entrou, cumprimentou os sogros. "Aop!", disse Ervin, e riu. "Oi!", disse Ethel, e riu, somente para ser interrompida pela entrada do outro genro.
"Seu Ervin!" - maldito cunhado - "Olha aqui, outra kornkepffelhanger pro senhor!".
Não deu nem tempo de Ervin falar que adorou e que tinha o melhor genro do mundo. Hugo pulou no pescoço do cunhado e apertou até que o mal estivesse feito. Um cunhado a menos no mundo.
"Opa!", disse Ethel, e gargalhou.
ei, mudou o plano de fundo
ResponderExcluirgostei do texto =)
q lega em
ResponderExcluirAdorei, vc ganhou uma fã! Gostei tb de me ver como a personagem terapeuta, há, há!... Gde abraço
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