Entre meninos e meninas
No jardim de infância, eu era cercado por meninas.
Talvez por ter uma quantidade de tias superior à lotação do maracanã, sempre me afinei mais com o papo das mulheres, seja lá o que isso signifique.
Mas nem sempre o clube da Luluzinha aceitava minha invasão.
Algumas meninas reclamaram com a professora e uma solução foi proposta: o parquinho da escola seria dividido ao meio. De um lado, as meninas brincariam. Do outro, os meninos.
Isso impediria minhas invasões no território feminino e, com sorte, me obrigaria a virar um menino mais normal.
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A estratégia não deu muito certo.
Fora do grupo das meninas e sem amizade com os garotos, eu passava os intervalos sozinho, no meio do parquinho, onde a linha divisória foi marcada.
Lá ficava eu: entre o masculino e o feminino, com seis anos de idade, brincando de balanço.
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Na quarta série, resolvi que era hora de mudar. De uma vez por todas, eu ia ser um menino igual aos outros.
Decidi passar pelo ritual mais masculino de todos: o futebol.
Só naquele dia, não fingi a tradicional dor de barriga na aula de educação física (que me permitia fugir para jogar xadrez), e ainda lembro dos olhares de espanto enquanto entrava na quadra.
Fui o último a ser escolhido para um time, mas participei do primeiro lance da partida: no primeiro passe, um garoto meteu toda a força que tinha na bola, e ela vinha na minha direção. O tempo passava em câmera lenta, eu sem reação alguma.
Antes que eu pudesse pensar em sair correndo, a bola encontrou as minhas próprias bolas com uma intensidade que eu nunca tinha sentido até aquele momento.
Entrar em contato com o masculino nunca foi tão dolorido.
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Depois da faculdade, por alguma coincidência a maior parte dos meus amigos íntimos são homens heterossexuais. Não do tipo machão, mas do tipo melhor: que sofre por amor, gosta de mulheres fortes e não vê problemas em ser dono-de-casa.
Ainda assim, de alguma maneira, me infiltrei no clube do Bolinha - mesmo sem saber jogar futebol (na última tentativa, minha melhor jogada foi dar uma manchete na bola).
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Hoje, sou praticamente um deles. Mas não cem por cento:
Outro dia, num churrasco, três amigos começaram a bater um no outro, de brincadeira. Primeiro, um dando tapas na mão do outro. Depois, socos no ombro, um no outro, cada vez com mais força.
A sequência era essa:
1 - Soco.
2 - Grito.
3 - Soco mais forte ainda no colega.
Até tentei participar, mas desisti depois de perceber que
1 - Levar socos dói.
2 - Ninguém ganhava.
Fiquei assistindo, fascinado, enquanto um batia no outro, com os olhos inflamados de paixão e fúria.
Naquele momento, eu entendi tudo o que representa ser um homem.
A disposição para a luta, ainda que desnecessária. O motivo das guerras no mundo. O porquê do UFC fazer tantos ídolos. A competição pela graça da competição. A quantidade de bacon que se vende no mundo.
Não, eu nunca seria um deles.
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No dia seguinte, eles não paravam quietos no Whatsapp. Era mais uma competição, dessa vez para ver quem ficou com a mão mais machucada depois da brincadeira.
Entendi que não era uma questão de ver quem ganhava a briga: era pra ver o quanto de sofrimento que eles aguentavam antes de pedir arrego. São um grupinho muito especial, esses homens.
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Ao contrário das meninas no parquinho, ninguém me pediu para sair do grupo - mesmo sem eu participar muito bem da brincadeira. Eu não precisava participar da disputa de poder para ter meu lugar ali. A competição não termina nunca, mas quem não ganha nada também tem o seu lugar.
Demorei anos pra entender o quanto os homens também são sensíveis, com seus laços de amizade e relações profundamente generosas. Às vezes isso se demonstra na base do soco, mas tudo bem.
Outra coisa legal: eu os comparei à meninas de seis anos de idade, e nenhum deles vai se ofender com isso.
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Pra concluir numa nota importante: a bolada no saco foi quinze anos atrás, mas só de lembrar, doeu tudo outra vez.
Muito bommmmm....adoreiiiiiiii!
ResponderExcluirMuito bom cara! Mas senti quase que uma crítica ao consumo de bacon no texto... Cuidado, cuidado, pois isso é também quase heresia!
ResponderExcluirHahahahahahaha.