Política e paixão
Cansei de escutar, enquanto crescia, que o Brasil não ia bem porque "o brasileiro não se interessa por política". O complemento padrão dessa frase era "porque só quer saber de futebol".
"Mercado livre já! Toda restrição é burra!", ainda outros.
Tá certo que a minha timeline do Facebook representa bem menos pessoas que a torcida do Corinthians, mas se for tomada como amostra, as coisas não parecem estar tanto desse jeito.
Aliás, eu diria que o brasileiro está muito mais apaixonado por política do que por futebol.
E que isso não é necessariamente uma coisa boa.
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A paixão é a ilusão de poder encontrar a própria completude através de outra pessoa.
É uma estranha mistura de humildade (de se aceitar incompleto e carente de sentido) e a onipotência (de achar que, adicionando uma outra pessoa na mistura, ficaremos saciados da nossa fome por preenchimento).
É aí que estamos, como nação. Apaixonados pela possibilidade de mudança. A frustração acumulada é tamanha, e em tanta coisa, que qualquer chance de mudança política brilha em nossos olhos como uma possibilidade de completude.
Isso explica porque fomos do completo desinteresse por política a um fanatismo generalizado.
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Pode parecer exagero, mas olhe ao redor e procure alguém moderado.
Ao redor não, procure na lupa cruel de uma seção de comentários num site de internet e tente encontrar alguém que pregue o equilíbrio como uma opção viável.
"Impeachment da Dilma, prisão aos petralhas!", gritam uns.
"Mulheres lésbicas, negras, cadeirantes e umbandistas no poder!", insinuam outros (eu entre eles).
"Mercado livre já! Toda restrição é burra!", ainda outros.
E, os meus preferidos:
"Não tem um que preste. Solução para o país é político no paredão!".
Todos com algo de razão, mas todos inflamados pela paixão com que se agarram aos seus pontos de vista.
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Uma pessoa apaixonada é extremamente manipulável.
Guiada pela paixão, não vê defeito no seu objeto de desejo. Até porque, se enxergar algum defeito ali, toda a ilusão de estar completo pela presença da outra pessoa vai embora, e será necessário encarar o vazio de estar sozinho novamente.
Um exemplo dessa paixão? Os protestos do ano passado.
Milhares de pessoas, e um número surpreendente de adolescentes, tomando as ruas e esbravejando palavras de ordem. Apaixonados. Sorrindo. Erguendo bandeiras.
Uma cena emocionante, e também um ótimo momento para quem quiser se colocar à frente como um Messias, tentando associar essa paixão coletiva às suas imagens. Oferecendo soluções para os seus apaixonados.
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Muito perigoso. A paixão é agressiva. A emoção é tamanha que exige alguma soltura para ser eloaborada.
Para um casal apaixonado, uma boa briga e um bom sexo, quanto mais violento melhor, dão conta do recado.
Para um país apaixonado? Intervenção militar! Redução de maioridade penal! Pena de morte!
Porque se a paixão é extrema, a catarse também precisa ser.
Nesse caso, melhor ter uma nação de desinteressados por política do que uma multidão de pretensos informados, indignados por tudo e sem saber de nada.
Indignação, quando aliada à desinformação, é um combustível perigoso.
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A paixão é ciumenta. Por isso os crimes passionais.
Quebrar a cara com uma paixão dói tanto que perdemos o controle. Ficamos violentos com o objeto que queríamos que fosse nossa salvação.
Não sabemos o que fazer quando o nosso ideal não corresponde à realidade.
Junte essa frustração com a necessidade de catarse, e você entende porque há quem precise amarrar um assaltante a um poste ou linchar uma mãe de família, em busca de justiça.
A paixão é cega. Quem ousa contestá-la recebe uma resposta violenta.
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Mas, com sorte, depois da frustração, a pessoa olha um pouco para si.
Passa a se ver como responsável pelo desejo que tem, e deixa de exigir do outro a satisfação de suas expectativas. Toma as rédeas da própria caminhada.
Para quem não quer refletir, resta um caminho mais fácil: trocar de objeto de paixão. Deixar-se enfeitiçar por outra pessoa que ofereça uma tábua de salvação. Outro salvador.
Enxágue e repita, e mantenha o ciclo de frustração e violência, esperando que algo mude.
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Se o fim da paixão for bem elaborado, a inflamação vai dando espaço à maturidade e é trocada por carinho e amor.
Pelo amor de aceitar a diferença, mesmo quando ela não corresponde às expectativas depositadas. Pelo carinho de fazer a sua parte para que a relação funcione. Pela dedicação para um bem comum.
Sem tanta violênia, mas com atenção e cuidado.
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Há quem diga que o brasileiro não sabe fazer política.
Se olharmos com mais cuidado, talvez apenas não saibamos amar.
Bela metafora!
ResponderExcluirRealmente, o brasileiro, em geral, não sabe controlar o senso de justiça.
Ai de nós!