Pessoas encolhidas



Eu preciso lembrar de me lembrar, porque eu esqueço fácil, que algumas pessoas não duvidam de si mesmas o tempo todo.

Mais do que isso, elas tem a certeza de estar certas.

Parece outro mundo pra mim - pra muita gente que eu conheço também - porqu eu faço muito esforço para olhar pelo lado do outro.

Me aparece, à noite, o pensamento de "será que eu fui rude ao falar tal coisa?".
Eu sofro ao dizer não pra algo, ainda mais se for só por não querer fazer.
O sofrimento do outro me faz sofrer também.

Se alguém me diz que eu falei algo errado, eu primeiro questiono o que eu falei, pra depois pensar que a outra pessoa que pode estar enganada.

Na maior parte do tempo, eu sou uma pessoa encolhida.

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Aí eu me assusto quando vejo gente assim, dona da verdade.

Que não questiona o argumento que usa numa discussão. Que não se importa em ser agressiva.

Acho que isso começa muito cedo.

A gente, que se preocupa, já nasce pedindo desculpas.
Talvez por falta de um incentivo que diga "Estou interessado em você", a gente se convence de que não é importante.

Cresce com um senso de que não tem lugar.
Morre de gratidão por cada gentileza que ganha no mundo.
Respeita tanto o espaço do outro que deixa o próprio cada vez menor.

Gente que, quando percebe que está incomodando, sai do recinto pedindo desculpas.

Uma vida sofrida, mas pelo menos a gente se conforta em não agredir ninguém.

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Enquanto isso, algumas pessoas são hipervalorizadas desde cedo. Talvez por falta de frustração, ostentam cada pancadinha que levaram como um "Olha como eu sofri!", para dizer que tem sim, todo o direito de agir como agem.

Elas nunca estão erradas. Elas sentam com a perna mega aberta, foda-se quem está do lado. Elas ouvem música no volume que quiserem. Elas deixam o ronco da moto alto de propósito, pra incomodar mesmo.

Faltou argumento? Aumenta o volume da voz.
Não adiantou? Xinga.
Ainda nada? Bate na pessoa.

E quando você defende seu espaço, o que essas pessoas dizem?
"Você só pensa no seu umbigo! Egoísta!"

Porque sabem que, nos fazendo sentir culpados, o reflexo é de nos encolher.

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E o que eu mais tenho visto é gente se sentindo sem lugar.

Porque a gente gosta de se convencer que é amado. A gente gosta de fingir que é aceito, e se choca quando quem diz não se incomodar com a gente apoia alguém que consente com a nossa execração.

O que dói não é nem sentir o ódio. É sentir que, mais uma vez, a gente está sem lugar.
Sentir que, mais uma vez, a gente não é bem vindo. Que quem dizia que nos amava não se importa de verdade.

Sentir, lá no fundo, aquela vontade de pedir desculpa por existir e ir embora.

Do mundo, talvez, porque parece que não há lugar nenhum que nos queira.

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Mas aqui, de pessoa encolhida pra pessoa encolhida, a gente tem mais força do que pensa.

A gente já está acostumado a não ter apoio nenhum.
Cada um de nós já construiu coisas lindas, mesmo sem ninguém ter botado fé.
Cada um de nós merece sentir orgulho por cada mísera bostinha que tenha conquistado na vida.

Porque só a gente sabe o trabalho que dá pra fazer uma vida acontecer com tão pouco apoio e tanto esforço pra não incomodar ninguém.

Agora, permitir-se ser diferente é uma afronta. Vai parecer agressivo, vão tentar nos botar no lugar de pedir desculpas por existir.
Mas não é hora de pedir licença.
Nós não estamos errados em exigir respeito.

Nós temos direito ao nosso lugar também.

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