Como brigar com a sua família


Me recuso a fazer um texto sobre como evitar discussões em família no fim do ano, até porque ele seria de uma linha só: "Não vá visitar sua família no fim do ano".

Pessoas e intimidade são receita certa pra criar conflito, e para evitá-lo, só evitando a intimidade com todo mundo - o que deixaria a vida bem chata, na minha opinião.

Melhor aprender a lidar com os conflitos.
E tem época melhor para isso do que o Natal?

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O mais complicado de discutir em família é que, em geral, a briga é com pessoas que você ama.

São pessoas com quem você discorda politicamente, mas que ama.
Pessoas com quem você brigou ano passado, mas que você ama.
Pessoas que você ficou sabendo que falaram mal do seu corte de cabelo pelas suas costas, e que te deduravam quando você roubava Bis do armário da cozinha da sua avó, mas você ama.

E é justamente por tanto amar que a discussão dói tanto.

"Eu te amo tanto e você vai defender esse político obviamente escroto?"
"Eu te amo tanto e você vai fazer pouco justo daquilo que eu mais me orgulhei de ter conquistado esse ano?"

Ou pior:
"Eu te amo tanto e você vai comer o último pedaço de pavê?"

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A melhor coisa para perguntar a si mesmo durante uma discussão em família é:
"Qual sentimento essa pessoa me gerou quando me falou isso?"

Porque dificilmente a raiz da briga está no assunto tratado.

Talvez você não esteja puto com o seu tio porque ele defende o Bolsonaro, mas porque você sente que, ao defendê-lo, ele está colocando os interesses dele acima do que é importante para você e com isso se sente diminuído, ou ameaçado.

Talvez você não esteja chateada com a sua mãe porque ela criticou seu peso, mas porque se sente desimportante para ela quando ela não valida as suas conquistas e opiniões, e isso lhe faz se sentir desprezada, ou excluída.

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O passo seguinte é lembrar que, mesmo metendo os pés pelas mãos, essas pessoas também (provavelmente) te amam.

Pessoas que se sentem amadas aceitam muito mais coisas do que você imagina. Passei por isso quando rompi com a religião da minha família e comecei a ser visto com maus olhos por boa parte das pessoas de lá.

O que eu fiz?
Muito esforço para provar que o meu problema era com a religião deles, principalmente a parte que queria me dizer onde enfiar meu pinto, e não com eles.

Toda vez que encontrava um deles, dava o maior abraço que podia. Perguntava como estavam, lembrava de alguma coisa da vida deles e parabenizava, falava de como eram importantes para mim. Era afeto puro.

Por mim tudo bem que eles pensassem o que quisessem de mim, mas não iriam sair dali sentindo que eu não os amava.
Vocês não fazem ideia de quantos muros eu derrubei desse jeito.

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O próximo passo é tentar virar a chave da discussão para algo mais produtivo.

Sinto muito, mas você não vai conseguir convencer seu tio a votar na esquerda. Você não vai conseguir convencer sua mãe de que você está feliz com o peso em que está.

O que você pode fazer é falar abertamente sobre os sentimentos que tem.
Abra o jogo! Festa de família é para fazer barraco mesmo.

Diga para o seu tio que você sente que ele não gosta de você e pergunte para ele por que ele faz questão de tentar diminuir suas opiniões.
Fale para a sua mãe que você se sente cansada de tentar agradá-la, e diga que sente que ela não te ama. Pergunte se ela se sentiria amada se você a criticasse também.

Vai adiantar pra ficar tudo pacífico? Não.
Mas pelo menos você vai estar falando sobre o problema real. Se a conversa for bem, você resolve uma mágoa antiga.

Se for mal, você está livre para passar o 25 de dezembro do ano que vem numa festa em que as pessoas estejam mais de acordo com o seu jeito de ser. Precisando, pode me convidar também.

Feliz fim de ano e boas brigas!

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