Arrogantes demais para amar
"Pra quem não sabe amar
Fica esperando alguém que caiba no seu sonho
Como raízes que vão aumentando
Como insetos em volta da lâmpada"
("Blues da Piedade", Cazuza)
Já briguei muito com o Cazuza por causa dessa letra. Sempre gostei de todo o resto da música, que em tom de deboche pedia piedade pra muita gente.
Caretas? Piedade pra eles! Covardes? Pff, Deus proteja!
Gente que espera alguém que caiba no seu sonho? Peraí, Cazuza. Não é bem assim.
Quer dizer, amar não é justamente encontrar alguém que caiba no seu sonho?
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Pseudônima* se encontrou na terapia. Achou o processo o máximo.
Me procurou sofrendo pesado por um quase-relacionamento, com uma pessoa que quase-a-desejava, que estava quase-namorando, mas que nunca chegou ao ponto de comprometimento que Pseudônima queria.
Ela batalhou por meses com a própria autoestima, baixíssima, até entender que merecia mais. Que merecia alguém que a desejasse por inteiro.
Pseudônima tomou coragem e, ao custo de um Iguaçú de lágrimas, encerrou o envolvimento.
Se sentiu livre. Se sentiu capaz. Se sentiu pronta pra uma nova paixão.
Aí se sentiu puta, putíssima, quando eu perguntei se ela realmente achava que se apaixonar era uma boa ideia.
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Pseudônima encontrou uma pessoa que, em suas palavras, "seria a pessoa ideal pra mim, sabe? Me trata bem, se dedica ao trabalho... Mas não rola. Infelizmente, é uma pena, mas não rola."
E o que é o não rolar? É a falta do encaixe, a falta daquele clique mental em que você sente, num milionésimo de segundo, que a pessoa que você acabou de beijar é ideal pra você.
É o clique que faz uma pessoa se apaixonar, e se ele não rola... Não rola a paixão. E é justamente aí que, na minha opinião, é hora de investir.
Meu raciocínio é o seguinte: se o padrão de pessoa por quem você se apaixona te faz mal, a cura pode estar em livrar-se da paixão.
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(só clarificando, Pseudônima não é um nome real, tá? Mas é uma situação que engloba tantas pessoas que me procuram que qualquer nome que eu colocasse como pseudônimo me renderia uma mensagem de alguém dizendo "POR QUE VOCÊ FALOU DE MIM NO TEXTO?".
Mas todo mundo já foi essa pessoa em algum momento da vida, inclusive eu.)
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A revolta nos olhos de Pseudônima era clara.
"Você acha que eu devo me contentar com uma pessoa que eu não sinto atração? Eu não quero isso, eu quero no mínimo estar com uma pessoa que eu quero, isso é injusto!"
Claro que insistir num relacionamento em que você não tem a menor vontade de estar não é uma excelente ideia, mas a reflexão precisa ser feita.
Avaliar uma pessoa de acordo com o "Será que ela é boa o suficiente pra mim?" é primeiro gatilho para o sentimento de "Será que eu sou bom o suficiente pra essa pessoa", que é a ruína de tantos relacionamentos.
Subverter a ideia de "bom o suficiente" e adotar um "escolho conscientemente a pessoa que me trata melhor" é um passo importantíssimo para se livrar do padrão de estar sempre atrás de alguém que não lhe deseja, enquanto você sofre por ser insuficiente.
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No fim, a Pseudônima, o Cazuza e eu acabamos concordando: o prazer provocado pela paixão é intenso, mas o sofrimento também é.
Pode ser mais interessante namorar alguém normal, uma pessoa qualquer, e a longo prazo viver o prazer da sensação de segurança, de apoio mútuo e de construção a longo prazo causado por uma decisão madura de escolher alguém com base em princípios parecidos.
"Mas eu me sentia tão completa quando estava apaixonada!", diria Psedôunima, numa última barganha.
Abrir mão de viver paixões dói pra cacete.
Sentir saudades do sentimento de intoxicação por outra pessoa é quase sentir que parte de você morreu, como uma dor fantasma em um membro que foi amputado.
Você se sente incompleta. E como dói ficar sem essa parte! Mas essa era justo a parte de você que estava doente.
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