Em defesa do bom humor

Tem uma doença, triste pra burro, chamada coreia de Huttington.


A pessoa tem movimentos espasmódicos constantes, feito movimentos de dança, e perde o controle sobre o próprio corpo. A inquietude e o movimento constante deixam a pessoa magérrima, limitada.


É uma cena que deixa qualquer um cabisbaixo.


Uma pessoa que entre na cozinha do consultório quando eu estou entre um atendimento e outro vai pensar que eu sofro dessa doença.


Eu simplesmente não. consigo. parar. quieto.


Fico eu lá, com meus colegas, chacoalhando o corpo e dando passinhos de dança de um lado pro outro enquanto espero meu café ficar pronto.


Quem me conhecer num momento desses vai achar que eu sou o rei do bom humor, ou pelo menos um bom vassalo da palhaçaria. Gosto demais de dar risada, faço piada o tempo todo, tô sempre dançando, agitado e com a mesma energia de um filhote de Beagle que comeu uma rapadura.


Talvez também seja doença.


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Gosto de gente assim, com o sorriso (quase) inabalável.


Pessoas assim quase sempre são as que mais tem problema na vida. É o paradoxo do tomar no cu sorrindo: quando mais sofre, mais tem bom humor.


Essas pessoas, talvez justamente por terem sofrido tanto, desenvolveram uma capacidade especial de entender a proporção das coisas.


Continuo defendendo que faz mal fingir estar bem quando não está, mas é nisso que mora o segredo: essas pessoas não fingem não ter problema.


As pessoas mais sinceramente bem humoradas que eu conheço são também as mais empáticas, as mais em contato com o próprio sofrimento e as mais abertas a respeitar o sofrimento do outro.


São pessoas que compreendem a diferença entre:
a) ver o sofrimento e botá-lo em destaque,
b) fingir que o sofrimento não existe, cobrir as orelhas e cantar LÁ LÁ LÁ bem alto, e
c) olhar para o problema, tomar uma atitude a respeito, entender a dor que ele causa e ainda assim decidir estar com uma atitude receptiva ao que a vida traz.


Não é rir pra não chorar.
É rir enquanto chora, sabendo levar com leveza a própria desgraça enquanto ela está acontecendo, sem fingir que ela não existe.


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Toda tristeza é sagrada e merece ser respeitada, mas o bom humor é simplesmente divino.


É um grande sinal de imaturidade quando uma pessoa recebe o pedido errado no restaurante e fecha a cara pelo resto do dia, ou escuta um pequeno comentário negativo e se deixa abalar profundamente...


Com exceção aos dias de humor ruim que todos tem direito a ter, o esforço pelo ânimo positivo é uma das práticas mais espirituais que uma pessoa pode fazer.


E dá resultados: com o tempo você aprende que podem roubar seu sorriso, mas não sua capacidade de sorrir.


Começa a ter uma gentileza com o mundo e um distanciamento que bota as coisas em proporção e te faz assumir: "Eu tenho problemas mas eles não são tudo o que eu sou. Eu sou maior que meus problemas e vou debochar deles fazendo uma piada de peido agora."


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Não se preocupem, eu não virei um coach de empreendedorismo pedindo pra todo mundo mudar de mindset. Continuo o mesmo pessimista de sempre.


Mas pelo próprio pessimismo defendo a capacidade de sorrir e chorar ao mesmo tempo, porque o que mais dá pra fazer?


Quando você vê, se flagra caindo na risada no enterro de alguém que você ama, entre uma crise de choro e outra.


Dançando no meio da cozinha enquanto percebe a semelhança dos seus movimentos com os de alguém que sofre de uma doença terrível e ri da ironia.


Feliz e com problemas. Equilibrado.
Fodido e sorrindo.
Bem, apesar de tudo.

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