Geração Depressão

Uma coisa que me irrita de graça é quando um texto de internet começa com "A incrível geração que...".
Normalmente esses textos aparecem pra dar porrada em millenials.
"A geração sem inteligência emocional"
"A geração que não sabe perder"

Sem contar a mais pedante, que virou clichê de gente que usa óculos escuros na foto do perfil:
"A geração mimimi"

Vamos começar por onde eu concordo com eles: os adolescentes de agora estão com menos esperança do que a geração anterior (pela primeira vez na história, de acordo com uma pesquisa da Universidade de Michigan).

A demanda por psicoterapia com adolescentes aumentou significativamente, os índices de suicídio em plena puberdade subiram, e a quantidade de páginas com mensagens ironicamente tristes nas redes sociais cresceu mais que os cabelos brancos que eu tenho na barba.

Mas minha intenção não é imitar os textos que me irritam e criticar essa geração. O que eu quero saber é:
Que diabos aconteceu?
Quando foi que a juventude perdeu sua cor?

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Talvez para compreender os dias de hoje, a gente precise parar e olhar as gerações que vieram antes, e eu só consigo começar por onde eu comecei: nos anos 90.

Se a geração atual é a "geração mimimi", o termo geral utilizado pra designar a minha geração quando nós éramos a juventude transviada da vez era mais ou menos o seguinte:
"Bando de gente que não quer nada com nada, vive nas costas dos pais, acorda ao meio dia e que nunca vai ser nada na vida."

Esse era o zeitgeist, essa era a sensação geral da nossa época.
"I feel stupid and contagious", cantou o Kurt Cobain, e realmente contagiou geral.
Nós éramos burros e tínhamos orgulho disso.

No cinema? As Patricinhas de Beverly Hills, Deb & Lóide, Id & Ota, Cara, cadê meu carro? - tudo o que você precisava para ter um hit era de um protagonista muito, muito burro.

Nos rádios? Mamonas Assassinas. Na TV? Seu Creysson e Cala a boca, Magda.

Éramos governados pela burrice, mas não qualquer burrice. Uma burrice irônica, que sabia que aquilo tudo era piada.

Fomos uma geração que achava inteligente saber que não era tão inteligente assim, e que de certa forma se orgulhava da própria frivolidade.

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Maslow hierarquizou as necessidades humanas como fases de um videogame: Na primeira, você corre atrás de comida e sexo; na segunda, segurança pessoal, e conforme essas necessidades eram satisfeitas você chegava na fase do chefão: a satisfação pessoal.

A geração dos anos 90 ainda tinha uma ponte muito forte com uma época muito diferente do que a que viviam: nossos avós tiveram vidas muito, muito difíceis. Nossos pais, ainda que com muita dificuldade, já tinham conquistado um nível de estrutura razoável, muito distante do que seus pais puderam sonhar.

Boa parte de nós, mesmos entre os mais pobres, nascemos com um nível de conforto bem razoável: comida na mesa, TV de tubo na sala e de vez em quando até um McLanche Feliz.

Fomos os primeiros das nossas famílias a chegar perto de um McLanche Feliz, o bizarro conceito de uma refeição dar um brinquedo como recompensa simplesmente por você ter comido. Paraos nossos pais a refeição em si já era um prêmio e tanto.

Mas a sombra de nossos avós estava lá: aos domingos, nossas referências maiores de carinho nos contavam histórias de quando sofriam trabalhando na roça, e de como as coisas eram difíceis no passado.

Aí, nós ligávamos a TV e víamos o Tiririca encoxar a Luiza Ambiel no Domingo Legal.

Nós sabíamos que nossas aspirações e entretenimento eram muito, muito mais fúteis que a dos nossos pais e avós.

Como lidávamos com isso?
Ironizando nossas facilidades, rindo da nossa própria ignorância e cantando Sabão Crá-crá.

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Difícil encontrar um marcador para quando essa ironia frívola acabou.
Talvez o 11 de Setembro, símbolo-mor da queda dos sonhos yuppies. Talvez a crise econômica de 2008, que chegou por aqui um pouco atrasada?

Só sei dizer que em algum ponto dos anos 2000 perdemos a chance de ser frívolos. A grana encurtou, nossos avós - lembrete de um tempo realmente mais difícil - faleceram, e as coisas ficaram muito mais sérias.

A dificuldade chegou pesada nas mãos dos jovens, e esses voltam pra parte de baixo da pirâmide de Maslow. Fodeu geral.

Aí chega a Lorde e fala: "We'll never be royals".
E never will be mesmo. A gente sabe.

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Nisso começa uma crise de sentido. Passar pela adolescência pra quê?
Pra quê reciclar os sonhos da geração dos nossos avós, se ela resultou em um monte de gente que achou que podia ser frívola e acabou frustrada?

No rádio? Batidas trap e as vozes mais arrastadas possíveis, com o romantismo mais irônico que alguém consegue imaginar. No cinema? A morte da comédia romântica. Na TV? 13 Reasons Why, literalmente listando motivos pra morrer.

O bom é que em toda geração que isso aconteceu antes, algum sentido foi inventado. Seja a estabilidade buscada nos anos 50 pelos filhos da depressão de 29, seja o flower power buscado pelos filhos frustrados dessa estabilidade, seja a frivolidade que a geração dos anos 90 encontrou para celebrar sua própria estupidez.

Talvez a garotada de agora não seja tão "geração mimimi" quando uma "geração puta merda, o que tá acontecendo?".

E, assim como nós ironizamos nossas sensações de burrice e inutilidade nos anos 90, eles ironizam a própria depressão, glorificando um pouco o que sentem enquanto dosam uma gotinha de sarcasmo para disfarçar a vergonha que tem de sentirem-se assim.

Desse jeito segue o barco, até que eles consigam passar o bastão para a geração seguinte, que provavelmente vai crescer de saco cheio do pessimismo dos pais e vai querer se colorir outra vez.

Aí, bem possivelmente, começará outra festa celebrando a própria estupidez.

E nós vamos nos cansar de ler artigos falando sobre a "incrível geração frívola" que estará surgindo.

Enxágue e repita a operação.

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