Andar de Cavalinho (sobre incompatibilidades sexuais)
Foi a proposta mais estranha que eu ouvi em muito tempo:
"Mil reais. Eu sou pirado em você, eu pago mil reais."
A vaidade nem chegou a ser afetada positivamente pelo comentário, de tão bizarra que estava aquela conversa via MSN:
"Mil reais pra lamber seus pés, topa?"
Puta que pariu. Balancei.
Eu tava na faculdade ainda, quebradíssimo apesar dos mil trabalhos acadêmicos que eu fazia por fora pra levar uma grana. Quer dizer, eu nunca me prostituí, nunca tive a intenção, a vontade ou a capacidade pra tanto. Mas porra, mil reais? Pra só lamber meu pé?
Me pareceu menos pior do que a prostituição acadêmica.
"Ok. Eu topo."
--
Não vi a expressão da pessoa por que a conversa era pela internet, mas o cara ficou contente.
Eu não fiquei muito, porque o cara tinha a aparência do Pedro de Lara sem cabelo, mas OK. O negócio ia ser com os meus pés, eu não precisaria nem olhar.
Quem sabe eu até colocasse a leitura em dia durante o serviço. Ganhar mil reais pra ler, já pensou?
Ele respondeu:
"Opa! Só uma coisa... Poderia ser duas vezes?"
Mil reais, por duas vezes? Menos empolgante, mas eu tinha muita leitura pra botar em dia. Ele continuou:
"E assim... Não precisa lavar o pé no dia, ok? Eu curto um cheirinho..."
Não falei nada, ele prosseguiu:
"Eu também gostaria que você pisasse em comida e colocasse na minha boca pra eu comer... Curto muito isso"
Eu já comi em muitos lugares que a ANVISA desmaiaria se visse, mas na sola dos pés de alguém era novidade pra mim. Nessa hora eu já tinha desistido da proposta, mas fui dando corda:
"É? Algo mais?"
Ele largou a última:
"Quero que você monte de cavalinho em mim enquanto eu ando de quatro pela casa, lambendo seu pé fedido."
Não.
Não. Não. Não.
Pé? OK. Pedro de Lara? OK. Purê de batata com micose? OK.
Mas cavalinho?
Cavalinho é o limite da minha flexibilidade sexual. Bloqueei o cara.
Esse foi o começo e o fim da minha carreira frustrada na prostituição.
--
Tá, era um véio aleatório na internet, mas digamos que a proposta viesse de uma pessoa que eu amasse muito.
Alguém que tenha seguido o roteiro completo: conhecer, o papo ser bom, ter química, conhecer a família, o pacote todo. Se essa pessoa, subitamente, me pedisse por algum fetiche completamente exótico e estranho pra mim, será que eu toparia?
Só por amor, sem nem ganhar o milzinho?
--
Incompatibilidade sexual é uma questão que aparece com frequência no consultório.
Principalmente essas aqui:
- a pessoa sofre porque quer algo que o parceiro não topa, ou
- o parceiro pede coisas que a outra pessoa não está disposta a dar,
- os dois tem ritmos sexuais diferentes e alguém se incomoda com a frequência.
- alguém quer algo aberto enquanto a outra pessoa quer relacionamento fechado.
E as respostas nunca são fáceis. Dizer "se não está legal, vai embora" é a resposta mais rasa que alguém pode dar para uma pessoa com problemas de relacionamento. Nunca está tudo legal ou tudo horrível, sempre há uma miríade de situações formando um conjunto de legais-e-não-legais exclusivos daquele casal.
Dizer "Ué, tenta fazer o que a outra pessoa quer" é um pouco mais sensato, mas também não resume a questão inteira. Sexo é complicado demais para não se sentir machucado quando se faz só pra agradar alguém.
--
Ilustro com uma conversa que tive com uma amiga pra preparar esse texto. Perguntei a ela se alguém já tinha pedido algo a ela na cama que ela tenha recusado.
"Ah, nada demais... Só bater muito forte, quando pedem isso eu não faço não."
"Ok, mas se você encontrasse o amor da sua vida e ele só sentisse prazer sexual quando apanhasse muito, de machucar, de sangrar, você não faria isso por ele?"
"Eu acho que não... Eu me sentiria... Violada."
Não ter prazer sexual numa relação é ser violado. Se os gostos do casal são incompatíveis, é impossível que um dos dois não saia um pouco machucado na relação sexual.
Aí começa um jogo de negociações e pequenas cessões em que, com sorte, o casal encontra um meio termo e consegue ter uma vida sexual saudável.
Os arranjos são infinitos: ou os dois se contentam com um pouquinho de falta, ou acontece uma abertura na monogamia para que cada um consiga viver o que precisa, ou mantém-se na fantasia... Ou se tenta um final amigável.
Nenhuma das opções é super fácil.
--
De qualquer forma, o esforço pode valer a pena.
Tentar expandir a zona de conforto sexual pode ser um jeito muito bonito de dar um presente a quem se ama, assim como segurar a onda de um desejo muito específico pra viver um relacionamento real e que completa outros aspectos da sua vida pode ser muito romântico.
Quem conseguir, que faça.
Sorte mesmo tem quem encontra alguém compatível.
Talvez, quem sabe, exista alguém com um fetiche em andar de cavalinho e pisar no Pedro de Lara procurando por você.
"Mil reais. Eu sou pirado em você, eu pago mil reais."
A vaidade nem chegou a ser afetada positivamente pelo comentário, de tão bizarra que estava aquela conversa via MSN:
"Mil reais pra lamber seus pés, topa?"
Puta que pariu. Balancei.
Eu tava na faculdade ainda, quebradíssimo apesar dos mil trabalhos acadêmicos que eu fazia por fora pra levar uma grana. Quer dizer, eu nunca me prostituí, nunca tive a intenção, a vontade ou a capacidade pra tanto. Mas porra, mil reais? Pra só lamber meu pé?
Me pareceu menos pior do que a prostituição acadêmica.
"Ok. Eu topo."
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Não vi a expressão da pessoa por que a conversa era pela internet, mas o cara ficou contente.
Eu não fiquei muito, porque o cara tinha a aparência do Pedro de Lara sem cabelo, mas OK. O negócio ia ser com os meus pés, eu não precisaria nem olhar.
Quem sabe eu até colocasse a leitura em dia durante o serviço. Ganhar mil reais pra ler, já pensou?
Ele respondeu:
"Opa! Só uma coisa... Poderia ser duas vezes?"
Mil reais, por duas vezes? Menos empolgante, mas eu tinha muita leitura pra botar em dia. Ele continuou:
"E assim... Não precisa lavar o pé no dia, ok? Eu curto um cheirinho..."
Não falei nada, ele prosseguiu:
"Eu também gostaria que você pisasse em comida e colocasse na minha boca pra eu comer... Curto muito isso"
Eu já comi em muitos lugares que a ANVISA desmaiaria se visse, mas na sola dos pés de alguém era novidade pra mim. Nessa hora eu já tinha desistido da proposta, mas fui dando corda:
"É? Algo mais?"
Ele largou a última:
"Quero que você monte de cavalinho em mim enquanto eu ando de quatro pela casa, lambendo seu pé fedido."
Não.
Não. Não. Não.
Pé? OK. Pedro de Lara? OK. Purê de batata com micose? OK.
Mas cavalinho?
Cavalinho é o limite da minha flexibilidade sexual. Bloqueei o cara.
Esse foi o começo e o fim da minha carreira frustrada na prostituição.
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Tá, era um véio aleatório na internet, mas digamos que a proposta viesse de uma pessoa que eu amasse muito.
Alguém que tenha seguido o roteiro completo: conhecer, o papo ser bom, ter química, conhecer a família, o pacote todo. Se essa pessoa, subitamente, me pedisse por algum fetiche completamente exótico e estranho pra mim, será que eu toparia?
Só por amor, sem nem ganhar o milzinho?
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Incompatibilidade sexual é uma questão que aparece com frequência no consultório.
Principalmente essas aqui:
- a pessoa sofre porque quer algo que o parceiro não topa, ou
- o parceiro pede coisas que a outra pessoa não está disposta a dar,
- os dois tem ritmos sexuais diferentes e alguém se incomoda com a frequência.
- alguém quer algo aberto enquanto a outra pessoa quer relacionamento fechado.
E as respostas nunca são fáceis. Dizer "se não está legal, vai embora" é a resposta mais rasa que alguém pode dar para uma pessoa com problemas de relacionamento. Nunca está tudo legal ou tudo horrível, sempre há uma miríade de situações formando um conjunto de legais-e-não-legais exclusivos daquele casal.
Dizer "Ué, tenta fazer o que a outra pessoa quer" é um pouco mais sensato, mas também não resume a questão inteira. Sexo é complicado demais para não se sentir machucado quando se faz só pra agradar alguém.
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Ilustro com uma conversa que tive com uma amiga pra preparar esse texto. Perguntei a ela se alguém já tinha pedido algo a ela na cama que ela tenha recusado.
"Ah, nada demais... Só bater muito forte, quando pedem isso eu não faço não."
"Ok, mas se você encontrasse o amor da sua vida e ele só sentisse prazer sexual quando apanhasse muito, de machucar, de sangrar, você não faria isso por ele?"
"Eu acho que não... Eu me sentiria... Violada."
Não ter prazer sexual numa relação é ser violado. Se os gostos do casal são incompatíveis, é impossível que um dos dois não saia um pouco machucado na relação sexual.
Aí começa um jogo de negociações e pequenas cessões em que, com sorte, o casal encontra um meio termo e consegue ter uma vida sexual saudável.
Os arranjos são infinitos: ou os dois se contentam com um pouquinho de falta, ou acontece uma abertura na monogamia para que cada um consiga viver o que precisa, ou mantém-se na fantasia... Ou se tenta um final amigável.
Nenhuma das opções é super fácil.
--
De qualquer forma, o esforço pode valer a pena.
Tentar expandir a zona de conforto sexual pode ser um jeito muito bonito de dar um presente a quem se ama, assim como segurar a onda de um desejo muito específico pra viver um relacionamento real e que completa outros aspectos da sua vida pode ser muito romântico.
Quem conseguir, que faça.
Sorte mesmo tem quem encontra alguém compatível.
Talvez, quem sabe, exista alguém com um fetiche em andar de cavalinho e pisar no Pedro de Lara procurando por você.
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