Envelhecemos


Lembro bem do dia em que um amigo me contou que a namorada estava grávida e eu reagi com "Puta merda! Calma, fica tranquilo, eu conheço um cara no Paraguai que pode arranjar o remédio e.."

Ele me interrompeu:
"Não, Flávio. A gente quer a criança. Contei pros meus pais, eles estão super felizes."

Naquele momento, contei meus anos e me dei conta: envelheci.

Eu já estava na idade em que as pessoas engravidam e ficam contentes por isso.

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Já estou uns três "puta merda!" depois daquela fase.
Agora, quase todos meus amigos estão reproduzindo como se fossem porquinhos-da-Índia num parque de espelhos. Eu adoro as crianças, mas sendo bem sincero, me divirto mais ainda com os pais deles - agora avós.

Eles correm, pulam, brincam, cantam, fazem de tudo pra entreter um bebê de meio mês de vida que ja está ocupado demais babando e se concentrando pra fazer cocô para prestar atenção nos avós.

Os avós sabem disso, e nem tchum.

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Também acho lindo como as famílias se organizam pra criança ter a melhor vida possível. Os avós apertam os cintos para que os filhos tenham casas confortáveis onde o neto possa reinar em paz. Parecem se alegrar no sacrifício para gastar no neto.

Também se alegram porque o sacrifício de acordar de madrugada para trocar fralda não é feito por eles.

Enquanto os pais e seus bebês choram, os avós fazem a festa.

(Já meus pais, tadinhos, tem precisado se contentar com duas cachorras e um gato, mas estão com as aposentadorias relativamente intactas. Procuro criança para alugar até eles me darem uma máquina lava-e-seca.)

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Também tenho achado o maior barato essa modinha de colocar fotos de si mesmo envelhecido por aplicativos.

Me parece bem sintomático de momentos de crise - seja ela política, econômica ou existencial - queremos nos ver velhos. Assim nos asseguramos de que é possível chegar vivo no ponto em que se cria rugas.

Estamos em uma cultura obcecada por juventude que parece celebrar a velhice: memes sobre não gostar de sair de casa, sobre querer achar uma cadeira para sentar no meio da balada ou sobre a paz de quitar boletos proliferam - como o cocô de porquinhos-da-índia presos em uma sala de espelhos.

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Não acho que queiramos envelhecer de verdade.
Continuamos aterrorizados pela velhice, a ponto de falar "Que é isso, setenta anos é novo pra caramba" pros nossos pais quando eles falam que estão velhos, ou de morrer de medo de sair de casa por saber que isso de certa forma decreta a fase final da vida de nossos pais.

O que parecemos querer é a autorização que a velhice parece trazer de se fazer o que bem entende sem prestar satisfações e de deixar a vida correr seu curso com alguma sabedoria, lidar com a finitude de modo mais tranquilo e poder fazer palhaçada com os netos.

Se por enquanto ainda não estamos nessa fase, calma.
Com sorte, a gente chega lá.

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