Florzinha

Eu sou muito falso, gente. Sério.

Meu pai, comerciante, me ensinou a técnica de vendas desde cedo:
"Fale como a pessoa com quem você está conversando. Se estiver falando com alguém mais simples, fale de um jeito simples. Se estiver falando com alguém formal, seja formal. Adapte-se."

Levei a lição a risca e virei uma máquina de adaptação.
Sempre primeiro ouvindo pra responder depois, calculando os riscos pra só depois me expôr. Virei um camaleão de personalidade, pronto pra agradar qualquer um que cruzasse o meu caminho.

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O problema de primeiro aprender as regras e só depois brincar é que você perde a medida muito facilmente. Quando vê,  começa a só  a brincar depois de sentir que domina o jogo. E olha que merda: ninguém domina o jogo sem brincar.

Por isso quem segue muitas regras acaba esquecendo do que gosta e achando menos graça na vida.

E era assim que eu estava: insuportavalmente adequado, um tédio, falando só o que eu tinha certeza e o que cabia em cada situação.
Só de lembrar me dá sono.

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Resolvi me desafiar a ser um pouco mais humano e quebrar mais o protocolo.

Comecei a me aproximar de gente que me intimidava, a convidar pra sair mesmo quem já tinha me visto no dia anterior e eu sabia que estaria ocupado.

Pensamento obsessivo sobre um assunto sem noção? Pois o assunto sem noção viraria texto, dane-se que não seria tão bom.

Não foi fácil. A ansiedade bateu várias vezes, mas minha criatividade voltou com força. O ânimo pras coisas também aumentou.

Alguma mudança aconteceu.

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Longe de mim defender ser espontâneo. Essa experiência de ser mais humano está sendo terrível.

Eu, que sempre tirei screenshot de comentário maldoso em texto meu, dando risada, tenho apagado comentários de gente que discorda de mim. Sem a pessoa jurídica no meio, tudo atinge direto na pessoa física. Se me xinga mais de cinco vezes, já tô chorando. A minha pessoa física é uma pamonha.

Que bom que é época de festa junina, porque eu tô esbanjando essa pamonha por aí: dei dinheiro pra uma moça que veio pedir no portão da clínica e depois chorei  porque o que eu dei não era suficiente pra ela comer alguma coisa saudável.

Vi um cachorro machucado na rua e precisei ligar pra alguém pra desabafar. Tô ligando pra minha mãe com uma frequência que nem ela dá conta.

Por isso que a gente levanta muros, pôxa! Ser frouxo é muito difícil.

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O curioso é que as coisas que a gente mais admira na natureza são justamente as mais delicadas.

Uma flor, que é o clichê do clichê do que a gente acha bonito, é uma coisa fraca de dar dó.
É vulnerável. Exposta. Fácil de quebrar.
Uma flor é delicada e, por isso mesmo, linda.

E é assim que eu tô ultimamente: delicadinho. Uma flor.
Algumas pétalas faltando, uns machucados no caule, mas uma florzinha, coisa mais linda. Precisando de adubo e cuidados especiais numa dose que só quem gosta muito de planta consegue aguentar. Muito fácil de fazer murchar.

É estranho. Nunca fui assim antes, mas tô gostando.
Quanto à parte difícil de estar tão vulnerável? Deixe estar.

Com o tempo eu me adapto.

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