Destinos

Essa é a história da sessão de terapia mais eficiente que eu já vi.

Uma paciente me contou que, alguns anos atrás, já tinha ido a uma psicóloga.
Na época, ela procurava estava cansada de fazer o papel de cuidadora-mor de uma família que exigia dela pra tudo.

Já na primeira sessão ela desabafou:
"Eu não quero ficar aqui, eu quero ir embora. Quero ir fazer minha faculdade, quero ir viver a minha vida! Eu não posso ficar aqui cuidando da vida dos outros pra sempre!"

A psicóloga - de um jeito muito questionável, diga-se de passagem - a ouviu e largou o conselho:
"Se isso apareceu na sua vida e está tão difícil viver de outro modo, porque você não aceita seu destino?"

"Como assim?", estranhou a minha ainda-não-paciente.

"Se o seu destino for ficar e cuidar da sua família, talvez seja mais benéfico não lutar contra isso. Cuide deles! Depois, quando tudo estiver mais calmo, você pode ir cuidar das suas coisas."

O conselho fez efeito.

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Ok, talvez não tenha sido o efeito que a psicóloga planejou.

Revoltadíssima, com ódio no coração, completamente indignada com o mero pensamento de ter que renunciar aos seus desejos para cuidar dos outros, ela fez as malas e, sem planejamento algum, mudou-se para uma cidade maior.

Superou o sufoco, arranjou um emprego, trabalhou pra burro e finalmente fez a faculdade que tanto queria.

Só voltou a procurar um psicólogo anos depois, e pra falar mal daquela de antes:
"Como assim, aquele era meu destino? Meu destino é esse aqui... Eu fiz ser!"

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Nós subestimamos demais a força da indignação.

Por amor, uma pessoa é capaz de carregar um fardo.
Por compaixão, uma pessoa é capaz de se privar do que deseja.
Por carinho, uma pessoa é capaz de atravessar um oceano a nado.

Agora, por ódio, uma pessoa carrega um fardo, sem precisar comer, beber ou respirar, atravessando os sete mares sem nem tirar a calcinha que entrou no rego, só pra provar pro infeliz que duvidou dela que sim, ela consegue o que quer.

Quando se passa por grandes dificuldades, muitas vezes a gente não precisa de apoio, nem de encorajamento, nem de carinho: só precisa se revoltar mesmo.

Sorte que motivo pra ficar puto não tá faltando pra ninguém.

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