Viva a esquisitice

Alerta vermelho: Meus pais viraram hipsters.

Dá pra sacar a esquisitice deles só de entrar em casa: tudo é handmade, pra usar um termo farialimer. Os tapetes, as roupas de cama, as estantes? Tudo feito por eles mesmos.

"Eu não uso mais hidratante, só óleo de côco", diz minha mãe.
Todos os males da casa são tratados com óleo de côco ou babosa. Hidratante? Óleo de côco. Cabelos? Óleo de côco. Amputação? Óleo de côco. Com babosa, porque é mais sério.

Leite também não é o de caixinha. É só o de saquinho, tipo C, tirado no mesmo dia.
Café? A cafeteira pega pó, tem que ser feito no bule.

Meu pai tem fabricado sozinho todos os móveis novos da casa. E daí que ele amputou o próprio dedo com a serra outro dia? Passa babosa que sara.

Minha mãe passa os dias ouvindo uns canais extremamente específicos do YouTube, com horas e horas de conteúdo sobre a história do esgoto no Brasil Império.

E eles não eram assim antes!

Eles eram adultos práticos, que trabalhavam em horário comercial e não tinham tempo pra essas bobeiras.
Algum bicho mordeu meus velhos.

--

A única diferença dos meus pais praqueles barbudinhos de óculos com camisa de flanela que andam de patinete por aí é que a loucura deles não é pautada na estética: é sincera.

Parece que eles se libertaram de qualquer necessidade de ser prático e se divertem em fazer tudo o que podem com um monte de curvas.

É uma maneira linda de envelhecer.
Os pais deles - além de alguns amigos e irmãos - já estão mortos. Os filhos já estão grandes e fora de casa.
Como continuariam vivos se não enlouquecessem?

Eu queria o quê, que eles ficassem sozinhos em casa e repetissem a rotina?

Jamais!
Chega do café que a falta de tempo obrigou-os a tomar a vida toda: o café vai ser esquisito, feito com um ritual específico e demorado, e saboreado com tempo.

Chega do hidratante que vende no comercial da novela, vamos passear óleo de cozinha na cara e ver se a pele brilha!
Vamos construir uma estante, ainda que seja perigoso, dê mais trabalho e fique mais caro do que mandar fazer.

Vamos liberar geral na esquisitice!

--

Todo hábito, em algum momento, fica velho demais e precisa morrer. Quem insiste em manter os mesmos movimentos a vida toda não passa de um defunto que se mexe.

Depois de muitas perdas, só a esquisitice pode impedir que nossa cabeça vire um cemitério de memórias. Só ela nos impede de morrer do mesmo jeito que nascemos.

A esquisitice abençoa nossa rotina ao chacoalhá-la.
A esquisitice faz tudo se renovar.
A esquisitice contorna a morte.

Que a gente nunca esqueça de celebrá-la.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Enganei o bobo na casca do ovo

Zombeteiro

Repetindo repetindo repetindo