Com emoção
Eu fico impressionado que todo mundo hoje em dia diz que ama viajar.
Viajar é legal, beleza, mas dá tanto trabalho, que me impressiona, num mundo em que todo mundo reclama o tempo todo, que ninguém diga: "Ah, eu morro de preguiça da Torre Eiffel, prefiro ficar em casa".
Talvez seja medo de dizer isso e levar três tiros de um blogueirinho de viagem.
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Eu gosto de viajar, mas só no recheio.
Chegar é ruim e ir embora é ruim.
Chegar principalmente. Meu corpo parece ter uma reação instintiva à chegar numa viagem nova, que é ligar todos os sinais de alerta, pensar que se eu morresse ali iam demorar dias pra achar alguém que se soubesse quem eu sou, e querer o colo da minha mãe, não importa se ela está a cinco mil quilômetros de mim.
Eu seria o pior blogueiro de viagem possível:
"Fala, galera! Cheguei aqui nesse resort cinco estrelas e... e... e eu só queria um abraço, sabe? Tô com saudades do meu gato, ele não come direito quando eu tô fora..."
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Mudar o ambiente em que a gente está é mudar a pessoa que a gente é.
Você é expansivo, divertido e agregador? Legal. Lá na tua terra. Vai pra um lugar em que você não conhece ninguém e não te respondem o bom dia pra ver se não vira um tímido de carteirinha.
Você é tímido, quietinho e na sua?
Toma uns drinks num canto do mundo em que ninguém pode te reconhecer pra ver se você não dança na mesa e termina a noite fazendo amor com dois venezuelanos chamados Pedro e Paco na caçamba de uma picape Corsa estacionada nos fundos de um Subway.
(Ahn, história fictícia.)
A gente confunde a nossa maneira de reagir às situações que estamos acostumados a viver com o que gente é, mas a gente é muito mais e muito menos do que isso.
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Talvez por isso que, com todo o remédio pra caganeira que isso me custa, eu continuo viajando. Viagens desconfortáveis são muito mais úteis para o autoconhecimento do que as em que controlamos todos os detalhes.
Você se conhece mesmo ao entrar sem querer num bairro perigoso e entrar em contato com a vida de pessoas que esquece de considerar no dia a dia.
Você se percebe de verdade quando está no meio do nada, num bugue em que você cometeu a desgraça decisão de pedir um trajeto "com emoção", imaginando como a gente pode quebrar no meio tão fácil num pequeno deslize do motorista - que, por sinal, está visivelmente alcoolizado.
Quem foi o palhaço que disse que emoção é uma coisa boa?
Ou ainda, quando você resolve passar uns dias na casa da sua sogra e ela te oferece uma comida típica que pode muito bem ser horrível, e você precisa de todo o autocontrole e fé que há no mundo pra torcer pra aquilo ser gostoso.
Você é o que você come, e agora você vai ser um mangustão, querendo ou não.
(Por sorte era bom. História não-fictícia.)
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Passar umas férias no desconforto é ótimo pra perder o tédio de nós mesmos.
Nos lembra da infinidade do mundo e do que a gente pode ser.
E mais ainda, nos lembra como é bom viver a nossa - previsível, chata, cuidadosamente controlada, mas confortável - vida.

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