Ela reclama
Perder o pai, para Tamara, foi ter de lidar com dois baques.
Primeiro, o baque de não ter mais a maior referência de amor que tinha em sua família. Segundo, o de não ter mais o pai como paraquedas na hora de lidar com a mãe.
Quando pedi para Tamara descrever sua mãe, a descrição que recebi foi: "Ela reclama".
A mãe reclamava da preferência da filha pelo pai.
Nas tentativas de reaproximação, a mãe reclamava que a filha estava grudenta.
Reclamava que a filha estava magra. Que estava gorda.
Que a filha não estava em casa o suficiente. Que não saía.
Enquanto o pai de Tamara a enchia de afetos ao menor sinal de mérito, a mãe a frustrava por parecer impossível de satisfazer.
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O amor em família muitas vezes acontece por falta de opção. O amor gosta de surgir quando não há pra onde fugir.
Talvez a morte do pai fosse a deixa para um reencontro entre Tamara e a mãe. Uma tinha virado a única família da outra, elas iam ter de se suportar por algum tempo. Por falta de rotas de fuga, talvez se amassem.
Tamara, então, decidiu tentar agradar a mãe.
Conseguiu uma promoção no trabalho e passou a fazer muitas horas-extras. Com o dinheiro que ganhou, deu um presente incrível para mãe: um cruzeiro de quinze dias pelas Bahamas.
Com a mãe embarcada e viajando, Tamara quis mostrar que era capaz de cuidar de si mesma, mandando fotos o dia inteiro.
Fotos do almoço que ela fazia sozinha, com toda a salada que a mãe passou a vida inteira mandando comer. Fotos do cachorro passeando e brincando, pra mostrar que ele também estava bem cuidado.
Fotos da casa imaculadamente limpa, como a mãe gostava.
Tamara estava exausta, mas sentia que dessa vez a mãe ficaria feliz.
A viagem era uma prova de amor e as fotos a prova de que a mãe tinha criado uma boa filha.
Lá pela vigésima foto que Tamara enviou com o cachorro, a mãe finalmente respondeu:
"Não basta você me mandar embora de casa, você precisa me mostrar que está mais feliz sem mim?"
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Tamara tentou conversar com a mãe, explicando seu esforço para agradar. A mãe não acreditou na história. Depois, com raiva, Tamara disse para a mãe que nunca se sentiu amada por ela. A mãe a chamou de ingrata.
Tentou conciliar ainda outra vez, pedindo à mãe para que tentassem fazer mais coisas juntas. A mãe disse que não queria companhia por obrigação.
Tamara chorou muito na sessão daquela semana.
"É impossível amar minha mãe, impossível!", dizia ela, amando a mãe.
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Resolveu sair de casa. Diminuiu as horas extras e passou a cuidar mais de si. Fez amigos. Namorou pessoas. Adotou um gato.
Quando visita a mãe, escuta um "você não dá mais bola pra mim"
Realmente, Tamara não dá mais tanta bola para a mãe. Percebeu que não havia bola no mundo que desse conta. Ainda assim, fala da mãe com muito afeto - o afeto que a distância permitiu acontecer.
Tamara sente falta de ter um vínculo de amor mais forte, como o que tinha com o pai, mas deixou de procurá-lo na mãe. Entendeu que, se continuasse buscando um amor impossível de encontrar, se tornaria como a mãe: uma eterna insatisfeita.
De quebra, acabou aceitando a mãe que tem, sem fazer pressão para que ela mude.
Hoje, Tamara parece estar mais leve.

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