Coisas Pequenas
Poucos anos antes de morrer, já quase bilionário, Gugu Liberato encontrou um hobby: fazer quadros com rolhas de vinho.
Vinho, no nosso país, é um símbolo de status pequeno burguês. É uma pequena chiqueza, distante o suficiente de quem ganha salário mínimo e acessível o suficiente para que a classe média tenha acesso a ela. Disso a moda de fazer quadros de vidro nas paredes em que a mensagem "Eu posso pagar trinta reais e um conjunto de taças para acompanhar minha refeição".
Mas, para Gugu, dinheiro não era problema e ele foi além: aprendeu a pregar rolhas em telas, de acordo com sua cor, para formar grandes e trabalhosos quadros. Um trabalho tão banal quanto impressionante.
Meses de trabalho para cada quadro, meses de trabalho que ele poderia gastar ganhando muito mais dinheiro se ele estivesse em frente a uma banheira cheia de sabonetes e mulheres seminuas, em vez de em frente a uma tela.
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Ele não ficaria famoso pelas artes plásticas como ficou famoso na televisão. Não teria grandes reconhecimentos, jamais seria aceito pela comunidade artística, não faria grandes exposições.
Não é só coisa do Gugu.
O George W. Bush, depois de se aposentar da vida de mandar gente pra guerra, começou a pintar quadros horríveis. O Winston Churchill, no final da vida, também dedicou-se longamente à pintura. O Walcyr Carrasco, equivalente brasileiro ao Bush e ao Churchill, falou que também pretende se dedicar à pintura agora que a sua novela acabou.
Garanto que nenhum deles foi para o ateliê com grandes pretensões. Grandes pretensões são para os jovens, os sem elegância, os que tem algo a provar.
Não é questão de decadência. Sábio é quem sabe perceber qual é o verdadeiro desafio para o estado em que está.
Depois de uma vida de palco e glória, o difícil mesmo é saber retroceder para as conquistas pequenas.
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A vida parece ser ordenada pelo grau de dificuldade.
Dos desafios sérios porém divertidos da infância às grandes conquistas da vida adulta, ao desafio (maior de todos) de lidar com a banalidade do fim.
Depois do sucesso nos negócios, manter o fôlego no futebol com os netos. Depois do aplauso nos palcos, a frustração de aprender a pintar depois de velho. Depois de ganhar o mundo, aprender a lidar com o tédio e o prazer de costurar seis horas por dia.
Depois de conquistar fama e reconhecimento, aprender a ser feliz em trabalhos que não dão nem uma coisa nem outra. Apreciar as coisas minúsculas.
Colar rolhas por meses a fio até fazer um quadro mais ou menos bonito.
Passar tempo com os filhos. Saber trabalhar sem glória. Aprender a trocar o filtro do ar condicionado.
E morrer em paz.
Vinho, no nosso país, é um símbolo de status pequeno burguês. É uma pequena chiqueza, distante o suficiente de quem ganha salário mínimo e acessível o suficiente para que a classe média tenha acesso a ela. Disso a moda de fazer quadros de vidro nas paredes em que a mensagem "Eu posso pagar trinta reais e um conjunto de taças para acompanhar minha refeição".
Mas, para Gugu, dinheiro não era problema e ele foi além: aprendeu a pregar rolhas em telas, de acordo com sua cor, para formar grandes e trabalhosos quadros. Um trabalho tão banal quanto impressionante.
Meses de trabalho para cada quadro, meses de trabalho que ele poderia gastar ganhando muito mais dinheiro se ele estivesse em frente a uma banheira cheia de sabonetes e mulheres seminuas, em vez de em frente a uma tela.
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Ele não ficaria famoso pelas artes plásticas como ficou famoso na televisão. Não teria grandes reconhecimentos, jamais seria aceito pela comunidade artística, não faria grandes exposições.
Não é só coisa do Gugu.
O George W. Bush, depois de se aposentar da vida de mandar gente pra guerra, começou a pintar quadros horríveis. O Winston Churchill, no final da vida, também dedicou-se longamente à pintura. O Walcyr Carrasco, equivalente brasileiro ao Bush e ao Churchill, falou que também pretende se dedicar à pintura agora que a sua novela acabou.
Garanto que nenhum deles foi para o ateliê com grandes pretensões. Grandes pretensões são para os jovens, os sem elegância, os que tem algo a provar.
Não é questão de decadência. Sábio é quem sabe perceber qual é o verdadeiro desafio para o estado em que está.
Depois de uma vida de palco e glória, o difícil mesmo é saber retroceder para as conquistas pequenas.
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A vida parece ser ordenada pelo grau de dificuldade.
Dos desafios sérios porém divertidos da infância às grandes conquistas da vida adulta, ao desafio (maior de todos) de lidar com a banalidade do fim.
Depois do sucesso nos negócios, manter o fôlego no futebol com os netos. Depois do aplauso nos palcos, a frustração de aprender a pintar depois de velho. Depois de ganhar o mundo, aprender a lidar com o tédio e o prazer de costurar seis horas por dia.
Depois de conquistar fama e reconhecimento, aprender a ser feliz em trabalhos que não dão nem uma coisa nem outra. Apreciar as coisas minúsculas.
Colar rolhas por meses a fio até fazer um quadro mais ou menos bonito.
Passar tempo com os filhos. Saber trabalhar sem glória. Aprender a trocar o filtro do ar condicionado.
E morrer em paz.

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