Orçamento
Fui mexer num caderno antigo e achei essa página, uma planilha de gastos de uns seis, sete anos atrás. O caderno da Blackberry eu ganhei num treinamento quando eu trabalhava na TIM.
Minha carreira como psicólogo estava bem no começo. Todos os meus cinco fregueses tinham decidido parar ao mesmo tempo e as aulas que eu dava pra completar o orçamento estavam escassas.
Ainda assim, eu estava bem gastadeiro pros padrões da época. Quatorze e noventa num restaurante? Quem eu achava que eu era, o Luciano Huck?
"Noite dos homens" era o nome do encontro que eu fazia mensalmente com meus amigos pra tomar Bavária. Onze reais em Bavária. Eu me achava um herdeiro árabe, aparentemente.
Deixa eu falar dos meus privilégios, que foram muitos: Minha bolsa no ProUni foi de cem por cento, então foi possível ir estudar numa cidade maior, numa boa faculdade, e meu pai ainda dava conta de pagar meu aluguel e meu plano de saúde. Luxo puro, não vou fingir que a vida era tão puxada assim.
Mas a faculdade tinha acabado e já tinha passado da hora de eu começar a pagar minhas contas.
O orçamento mostra que eu não estava tão maduro. A conta estava no negativo e eu praticamente só gastava em cerveja: esse Danny's ali, de dezoito reais, foi o luxo do mês. Saí com uma colega pra jogar sinuca e reclamar da vida.
Fiquei tão bêbado que catei um cachorro de rua que eu não tinha a menor condição de manter e levei pra morar comigo. Tive que doar o cachorro logo depois, foi terrível.
Eu estava sem trabalho, devendo 176 reais no cheque especial e sem nem um cachorro pra puxar o rabo.
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Tem uma piadinha no musical "O Livro de Mórmon" em que uma personagem pobre está triste por não ter nem farinha pra comer. Num acesso de esperança, ela promete que vai se mudar para Salt Lake City, um lugar rico em que ela vai poder comer toda a farinha que tiver vontade!
O bom das esperanças mequetrefes é que elas são alcançáveis.
Uma vez, procurando um quarto pra morar no começo da faculdade, visitei o apartamento de um menino que, apresentando o lugar pra mim, abriu a porta do armário da cozinha. Foi como encontrar um oásis: ele tinha pilhas de pacotes de bolacha.
Era Negresco, Trakinas, Passatempo, o capeta! Era como se o próprio São Luis tivesse abençoado aquela cozinha. Meu olho brilhou, a imagem está gravada em mim até hoje.
Meu sonho de infância era comprar biscoito à vontade, sem se preocupar com o valor no caixa. Eu prometi pra mim mesmo que um dia teria dinheiro pra comprar toda a bolacha que eu quisesse.
História de sucesso: hoje eu tô pré-diabético.
Será que tem alguma continuação praquele livro do Segredo, "O Segredo 2 - Agora sem precisar de insulina"?
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Não tô escrevendo esse texto pra me gabar de poder gastar com biscoito num momento em que o Brasil inteiro está apertando os cintos. É que foi bom pra caramba encontrar esse caderno velho.
Sete anos atrás atrás, quando o dinheiro estava curto e eu não sabia o que fazer da vida, eu teria gostado muito de ouvir que as coisas ficariam bem no futuro.
Teria sido bom saber que depois me foder horrores trabalhando em empregos bizarros, de engolir muito sapo, eu também ia conhecer muita gente incrível, ser atingido por generosidades inimagináveis, até chegar no ponto de poder comprar bolacha no mercado sem me preocupar se ia faltar passagem de ônibus no final do mês.
Como eu não posso voltar no tempo pra me dar esse recado, deixo ele pra quem está começando agora, que tá passando aperto, batendo em um milhão de portas e ficando sem esperança.
Não quero bancar o tio da autoajuda, só quero dizer que as coisas mudam. Quero pedir pra você aguentar firme na sua dignidade o quanto puder. É muito triste deixar de acreditar que a gente merece estar bem.
Essa crise tá terrível, mas não subestime o tempo. A milionésima primeira porta pode ser a que abre - ou a que você arromba. As coisas ainda vão melhorar. Você vai sobreviver e ter muito orgulho de si.
Você ainda corre o risco de se esbaldar naquilo que sempre desejou.
E então vai precisar um nutricionista pra dar jeito nesse índice glicêmico.

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