Feito Bolinha


Crescer em uma cidade pequena faz das memórias de infância uma série de inaugurações: o primeiro passeio de escada rolante, a primeira vez vendo um carro de rico, a primeira vez em um shopping center.

Shopping centers, como todos já sabemos, são o símbolo máximo da civilização humana e não tem absolutamente nada de cafona. 

Eu era pequeno quando a minha cidade inaugurou o seu. Chamava Uno Shopping,  talvez porque "Uno" remetesse a união e futuro, talvez porque o shopping fosse do mesmo tamanho de um Fiat.

No segundo andar, mais um marco civilizatório: uma lanchonete que servia combos, imitando o McDonald's, com a batata frita vindo junto de um hambúrguer e um copo plástico de refrigerante. Igual aos filmes, coisa fina.

Mas a maior atração do shopping, na minha opinião de criança, era uma máquina metálica vermelha e de cúpula redonda, que ficava do ladinho da loja de lanche, como um totem sagrado de uma tribo consumista, guardando toda a alegria do mundo.

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A máquina vendia bolinhas pula-pula, aquelas coloridas de plástico, e elas custavam vinte e cinco centavos. Na época, começo do plano real, isso era mais ou menos uns cinco salários mínimos.

Quer dizer, imagino que fosse isso, pelo tanto de vezes que pedi pro meu pai até ele se dar por vencido e me dar uma moeda. 

Andei com a moeda em mãos com a seriedade de um piloto de carro-forte, coloquei o dinheiro na máquina como quem deposita uma oferenda no cemitério e apertei a alavanca com o propósito de quem dispara uma bomba atômica.

Nada. Apertei de novo e de novo e de novo, mas pelo visto bomba falhou, porque nada da bolinha cair. 

A máquina emperrou e eu emburrei. Chorei como se tivesse perdido uma coisa muito importante, feito um parente ou um cachorro.

Meu escândalo foi tão grande que o dono da loja mais próxima apareceu e disse: "Eu não sou o responsável pela máquina, mas toma aqui vinte e cinco centavos, eu me resolvo com o dono depois".

Se foi caridade ou medo de assustar a clientela, não importava. Coloquei a moeda novamente e, dessa vez sim, saí de lá com o meu prêmio.

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Não sei se vocês sabem, mas essas bolinhas pula-pula só não são utilizadas na guerra porque seu poder de destruição é alto demais. 

Você joga a bolinha no chão e ela só para depois de bater em todas as paredes do bairro e encontrar pelo menos uma coisa de vidro no caminho pra quebrar.

Passei dias botando a casa abaixo com aquela bolinha, jogando pra cima e pra baixo, fissurado com o ricochetear aleatório do brinquedo de borracha. 

Em algum momento, como no fim de todo relacionamento intenso demais, o interesse acabou de uma hora pra outra.

A bolinha deve ter escorregado pra debaixo do sofá e lá encontrou seu jazigo.

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Olha, eu queria mesmo era voltar a ter a capacidade de me empolgar com qualquer coisa na vida do jeito que eu me empolguei com aquela bolinha. 

Eu devia é comprar uma máquina de bolinhas pula-pula e botar na sala de casa, meu próprio totem sagrado, pra lembrar de quando as coisas que eu queria custavam só vinte e cinco centavos. 

Seria uma recordação importante de ser feliz com algo tão simples, naquele transe infantil, de quando a preocupação era só quão alto a bolinha iria pular.

Seria um bom lembrete de que a vida não precisa de maiores significados. Pode ser só uma bolinha colorida e imprevisível, sem maiores obrigações, que pula,

pula,

pula,

até se perder debaixo do sofá e ser esquecida.

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