De presente



Eu nunca fui bom em dar presentes. 

Primeiro, por falta de grana. É difícil presentear bem quando tudo o que você tem no bolso são quatro moedas, um biscoito mordido e um botão. 

Ainda assim, sempre gostei de mostrar para as pessoas que pensei nelas com carinho suficiente pra querer comprar seu afeto com coisas.

Minha estratégia, então, era dar lembrancinhas estilo fuleiro-chic: reloginho de mesa, porta-tempero, patinho de vidro, patinho de madeira, patinho de gesso... 

Impressionante a variedade de patos que você pode encontrar numa loja de 1,99. 

Nenhum deles custa 1,99.

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Depois, com o orçamento um pouco melhor, passei a me preocupar com a repetitividade dos regalos. 

Parece que os únicos presentes possíveis para adultos são garrafas de água. 

80% dos presentes de aniversário do Brasil são garrafinhas de água bonitinhas, feitas sob medida para dizer "Gastei dezenove e noventa em algo que me permita vir na sua festa". Se as pessoas bebessem água na mesma quantidade que ganham garrafinhas, não existiria uma pessoa desidratada no Brasil.

Isso ou chocolates. A Cacau Show foi fundada sob a regra de que não pega bem levar uma barra de Garoto pra festa de aniversário de alguém. Por isso, você pode gastar quinze reais numa barra igual lá. 

Pessoas mais íntimas podem aparecer com livros, roupas e jóias, mas quem é que tem intimidade o suficiente pra isso hoje em dia?

Há de existir algo mais útil para se presentear.

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Foi quando eu tive um estalo: quais os presentes que eu mais gostei de receber até hoje?

Bem, todos. Eu nunca não gostei de um presente. 

Se você me der um lenço em que você assoou o nariz (não faça isso) eu sou capaz de ficar contente por ter recebido a chance de evitar poluir a rua.

Adoro a lembrança. Adoro o cuidado. Adoro não precisar gastar com as minhas próprias quinquilharias.  

Uma vez, eu comentei num texto que gostava de ovos de codorna. A partir dali, algumas pessoas que me lêem com mais atenção me presentearam com vidrinhos de ovos, e eu comemorei todos com muita festa. Tem coisa melhor?

Inesperado. Útil. Proteico.

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Por isso, eu decidi que só vou dar presentes úteis daqui pra frente. Coisa útil mesmo, mané garrafinha d'água. Quero dar coisas dessas que a gente precisa de vez em quando e esquece de comprar.

Estava trocando o chuveiro e me bateu como um choque: esse ano, todos os meus presentes vão ser alicates.

Uns alicates grossos, bons, que arranquem o que precisa ser arrancado, cortem o que precisa ser cortado e ainda façam as vezes de martelo quando necessário. 

Certeza que as pessoas vão lembrar de mim na hora de usar. Emperrou alguma coisa? Não se preocupe, tem um bom alicate na gaveta. Enquanto faz força e geme, a pessoa vai pensar:

"Essa alicate? O Flávio que me deu. Maluco."

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No ano seguinte, eu mudo pra desentupidores. No outro, potes anti-mofo pra geladeira. 

Um presente só, pra todo mundo, o ano todo. Nada de me preocupar com o que dar, nem de gastar dinheiro com coisas bonitas e desnecessárias da Imaginarium.

Também vou deixar uma lista aqui para que quiser me presentear. Eu sempre preciso das seguintes coisas: 

- Cabides

- Óleo de côco

- Caixas de lenço

- Lágrimas artificais

- Mais ovos de codorna

- Pacotes de viagem para o Caribe

Mas nem precisa se preocupar. 

Outro dia uma pessoa me disse que ia me dar um presente, mas que foi na loja e não encontrou mais o que ia me dar.

Não vi problema nenhum nisso. A pessoa lembrou de mim, não lembrou? Fiquei feliz com a lembrancinha.

E melhor: não precisei arranjar espaço entre os patinhos na estante.

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