Áudios acelerados
Eu li essa hoje:
"As pessoas estão aceleradas demais... Já aceleramos os automóveis que dirigimos, aceleramos os vídeos que assistimos, e agora vamos acelerar nossas conversas no WhatsApp?"
A pessoa ficou preocupada de verdade. Outra pessoa falou: "Se for pra você acelerar os áudios que eu te mando, você não merece a minha amizade".
A pessoa acha que o áudio dela é... uma dádiva? Desde que meu gato deixou um morcego pela metade na minha cama que eu não via uma ideia tão errada de presente.
Pode ter sido enviado com carinho, mas um áudio é uma tarefa que você dá pra uma pessoa, que ela vai precisar parar tudo o que está fazendo pra prestar atenção.
É só um recado enviado digitalmente com uma voz humana parando a cada cinco segundos pra pensar no que vai dizer, não é o pôr-do-sol não.
Pode acelerar à vontade.
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Se eu tenho um momento na minha vida que é perto de algo religioso, é quando eu coloco o fone de ouvido num volume que perfuraria o tímpano de um rinoceronte e fico dançando pelo quarto.
O que acontece? Chega um áudio.
De alguém que eu gosto -- eu tenho o péssimo problema de gostar de todo mundo -- e o que eu faço? Paro meu ritual pra escutar.
Faço de coração, juro. Mas se demorar metade do tempo... é muito melhor pra todos os envolvidos que eu me libere logo. A Rihanna tá me esperando.
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É engraçado como isso acontece com qualquer conveniência que aparece.
"As pessoas não estão mais respeitando o ritmo das coisas! Escutam música por streaming! Isso não é aproveitar de verdade, você precisa ouvir um disco que vai juntar pó! A rinite faz parte da experiência!""
"Esses adolescentes só querem saber de comida feita no fogo! Onde esse mundo vai parar? As pessoas não param mais pra digerir um javali cru por dias a fio, pra quê tanta pressa?"
E eu entendo a resistência de fazer ainda mais uma coisa com velocidade. Não é gostosa a sensação de ceder ao chicotinho do capitalismo batendo no nosso lombo e dizendo "Anda, mais rápido!".
Mas não dá pra vencer: de um lado, a pressão por fazer tudo mais rápido. Do outro, a pressão pra fazer tudo de um jeito namastê-sem-agrotóxico-fermentação-natural.
Por mim, vou fazer o que é mais cômodo.
E isso quer dizer: quando a gente estiver tomando um cafezinho no conforto do seu lar, eu vou te ouvir com toda a paciência do mundo.
Se for por um aplicativo, me desculpe, mas eu quero ouvir vocêfalartudoquepodedeumavezsó, mesmoqueeusóconsigaentendertrintaporcento.
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A ideia de não ceder a algumas facilidades pra ~aproveitar a vida de verdade~ é só mais uma pressão. Serve pra vender tapete de ioga e assinatura de app de meditação.
E talvez eu precise fazer isso também, escutar o conselho preocupado da pessoa revoltada com a aceleração dos áudios e estar mais presente na minha vida. Caminhar mais no mato, escutar passarinhos, contemplar a passagem do tempo como o filho da natureza que sou.
Concedo essa parte. Agora, eu só vou parar de ouvir áudio acelerado no WhatsApp quando alguém me mostrar um estudo embasado relacionando isso a níveis maiores de estresse.
E rápido, que eu não tenho muito tempo.

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