Certezas Demais
Dizem que os Estados Unidos não tem tantas políticas sociais porque todo mundo acredita que vai se tornar bilionário um dia. Pra quê facilitar pra pobre se essa é só uma condição temporária da sua existência, e você vai ser o próximo ricaço a qualquer momento?
O Brasil tem dessas também, mas o sonho é diferente. Todo brasileiro, lá no fundinho, quer ser o comandante absoluto da nação. Não de um jeito tradicional e chato, precisando usar gravata e ler o que assina, só a parte de mandar em todo mundo mesmo.
Cada um tem sua receita pronta do que faria caso chegasse ao poder, e a maior parte dos ingredientes é violência e imposição.
Não à toa, quase todo assunto de mesa de bar vem com a frase "Esses aí, só matando" pra arrematar.
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Por isso, talvez, ainda tem tanta gente defendendo esse Buda amoroso que ocupa o Palácio do Planalto. Não importa o que ele faça, essa gente vai aplaudir -- desde que ele faça gritando e mostrando quem manda.
Ele reflete os desejos desses tantos protótipos de ditadores, que jamais vão recuar da crença de que presidente bom é aquele que eles disseram que ia ser bom e ponto, independente do que esteja acontecendo no país.
Como assim, admitir que estão errados?
Só se o homem falasse em rede nacional que está em dúvida sobre alguma coisa.
Dúvida é a única coisa que esse povo não tolera. Além de, sei lá, gays e negros.
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Tenho a minha fantasia também.
Eu não gostaria de ser comandante-supremo do país, só de poder dar pequenos palpites na cabeça do presidente. Nada que mudasse o que ele é, só ajustando o alvo um pouquinho.
Tá bem, ele continuaria homofóbico, mas imagina ele indo na televisão no começo da pandemia e usando a homofobia ao seu favor?
"Nação brasileira, descobrimos que COVID é coisa de viadinho, e dessa gente eu quero distância. Pratique o distanciamento social!"
Ou ainda:
"As pessoas estão recusando a vacina da AstraZeneca porque ela dá efeito colateral. Gostaria de ressaltar à nação que medinho é coisa de boiola. Quem quiser provar que é macho mesmo, vá ao posto de saúde mais próximo."
Não ia ser bonito, mas já seria uma melhora.
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A maior divisão que existe no país hoje é entre as pessoas que admitem ter incertezas e as que acreditam, o tempo todo, que estão com a razão.
A turma da certeza quer alugar um caminhão e sair atropelando qualquer voz discordante que lhe aparecer na frente.
A turma das dúvidas tende a se questionar por mais tempo, ouvir o outro lado, dialogar um pouquinho, e atropelar os outros apenas na fantasia.
Daria pra equilibrar legal o país jogando um pouquinho de dúvida pra um lado e um pouquinho de certeza pro outro.
Os da certeza absoluta, se coçassem a cabeça uma única vez que seja antes de imporem suas vontades, já se tornariam pessoas infinitamente melhores.
Já a galera da dúvida adquiriria um sex appeal muito necessário se conseguisse impôr suas visões com mais frequência.
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Como as pessoas cheias de certeza ainda ganham em número, sou a favor de tentar promover a dúvida na população. Começar pela mídia, talvez.
Quero super-heróis que consultem a Declaração dos Direitos Humanos antes de fazer justiça com as próprias mãos.
Quero o desenho animado das Meninas Super Ponderadas.
Quero que a novela das oito seja o Líder Democraticamente Eleito, com Respeito às Instituições, do Gado.
Quero que todos leiam a Falha de São Paulo. Quero que o hit sertanejo do momento seja "Acho que te amo, mas posso estar só projetando minhas inseguranças em você".
Seria bom, como nação, se mais gente saísse do pensamento onipotente e começasse a se questionar mais. Acho que funcionaria bem.
Mas não sei, posso estar errado.

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