Ainda bem
Não sei se já comentei isso aqui, mas eu sou especialista em conflitos internacionais pela Universidade de Nunca Saí do Brasil e por isso vou me manifestar: as coisas estão melhorando por aqui?
Não, minto. As coisas aqui não estão melhores, e sim estamos fazendo o que fazemos de melhor: apreciar a vida de um lugar um pouco menos pior do que os outros.
Somos especialistas em vencer por WO (WO, se eu não me engano, significa banheiro. É tipo quando você vence porque seu oponente está com dor de barriga).
Noventa por cento do pouco bem-estar do brasileiro vem de olhar ao redor e falar "Bom, pelo menos eu não tô tão fodido quanto essa outra pessoa".
É um tipo quase cristão de otimismo: sabe aquela parábola de primeiro tirar a trave do próprio olho e então apontar o cisco no olho do irmão? A gente aponta pra trave no olho alheio e diz: "Viu? Pelo menos meu cisco não tá tão ruim assim". O olho numa conjuntivite danada, mas isso não importa.
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Tudo é uma questão de perspectiva. A gente sabe que não é um país país pacífico, e que existem programas de TV diários dedicados a nos atualizar onde tem cadáver fresco nas nossas cidades, mas míssil? Não, não. Míssil aqui não tem, graças a Deus.
Algumas cidades acabaram de desabar e muita gente perdeu a família toda soterrada? Sim, mas não tem vulcão. Terremoto também não. Bebendo bastante quase dá pra esquecer dos desastres naturais que a gente tem por aqui.
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Foi ao redor disso que eu construí minha estratégia de vida. Por que eu vou ler sobre pessoas bem sucedidas antes dos 30 anos na Forbes quando posso pegar o celular e assistir uma compilação de pessoas tentando grampear o próprio saco?
Eu posso estar mal, mas não estou com o saco sangrando e precisando de uma vacina anti tétano.
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Tem uma verdade quase profunda nisso - as coisas não precisam estar tão boas assim pra estarem excelentes.
O mundo está afundando em merda, mas ela mal chegou nos nossos pés. Forçando bastante, bastante mesmo, a perspectiva, tá tudo ótimo.
É triste lembrar que a gente só está bem por uma questão de sorte, dos dados terem caído numa ínfima chance favorável para nós.
Mas não é por isso que não podemos exercitar um pouquinho do privilégio da distração. Ainda temos um gato um pouco fedido pra pegar no colo, uma cerveja quase gelada no congelador e acesso a uma vida quase cem por cento.
Ainda estamos bem.
Ainda.
Mas bem.
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