Clube da Mãe Doida
Cães e gatos, leões e búfalos, psicólogos e mães: algumas rivalidades são clássicas.
É sempre interessante conhecer a mãe de algum paciente. É de lei ouvir algo assim:
"Não deixe ele botar a culpa toda em mim, viu?"
Olha, se o paciente quiser... Não sou eu que vou impedir.
Mas eu juro que não é perseguição. Acontece que as mães são importantes demais pra ignorar na hora de escutar a história de vida de uma pessoa.
Por isso, talvez, que o dia das mães seja um dia de estresse. Para os sem mãe, um dia de tristeza e saudades. Para os com mães ótimas, um dia de fazer o possível para tentar retribuir o amor que receberam à altura.
Mas há um terceiro grupo não muito lembrado: os filhos de mães... difíceis.
O Clube da Mãe Doida, como eu gosto de chamar.
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Não falo "doida" querendo dizer "transtorno mental", não tem a ver com isso. É um jeito carinhoso de falar de mães com comportamentos (muito) difíceis de entender.
Quem tem mãe assim há de entender.
Não há amor mais leal do que o amor de um filho por sua mãe doida.
Os filhos que cresceram à sombra de uma pessoa instável e ocasionalmente violenta e cultivaram em si o esforço de serem dóceis o suficiente pra conquistar um afeto maior.
Os filhos que receberam distância e instabilidade, e ainda esperam - no maior exemplo de fé que uma pessoa pode ter - que essa mãe vire sua personalidade do avesso e demonstre sua afeição, finalmente, de um jeito incondicional.
Movidos por esperança, esses filhos de mãe doida.
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Um filho de mãe doida reconhece outro. Não há conexão mais intensa em uma mesa de bar do que quando dois FDMD começam a trocar histórias:
"A minha mãe já invadiu meu trabalho chorando, de roupão e chinelo na mão, porque sonhou que eu falei que não ia mais na igreja..."
"Ah, é?", truca o outro, "A minha apareceu chapadíssima de Rivotril na minha formatura..."
"Só isso?"
"VESTIDA DE NOIVA."
São sempre grandes momentos.
Uma vez eu estava no bar com dois amigos que estavam nessa disputa.
O primeiro lançou:
"Tá, mas a sua mãe já tentou te matar?"
Os olhos do segundo brilharam, vitoriosos, enquanto ele levantava a camisa e mostrava a cicatriz:
"ARRÁ! QUATRO PONTOS na barriga!"
Xeque-mate.
O primeiro pareceu decepcionado com a própria mãe. como pôde ela oferecer um trauma tão insuficiente?
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Os filhos de mãe doida tem raiva de suas mães. Os filhos de mãe doida tem medo de suas mães.
Os filhos de mãe doida tem um grande desejo de encontrar um diagnóstico que explique a insatisfação eterna de suas mães.
Mas, muitas vezes, os filhos de mãe doida tem uma devoção enorme por suas mães e uma vontade infinita de reparar a relação. Fazem terapia até o inconsciente dizer chega.
Os filhos de mãe doida podem fazer esforço a vida inteira, mas dificilmente vão conseguir dobrar aquela grande figura que tanto lhes impactou.
Mas esse não é um texto de ódio a essas figuras maternas - como talvez elas acusem de ser para os filhos que compartilharem. Ninguém faz tanto esforço por alguém que não ama.
E, vou te contar, é muito esforço.
Sim, mães, nós do Clube da Mãe Doida amamos vocês.
Melhor ainda quando amamos de uma distância segura - mas amamos.

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