Apagando memórias


Vi agora há pouco uma matéria em que o Peter Jackson, diretor dos filmes do Senhor dos Anéis, falou sobre como ele chegou a considerar passar por uma hipnose para esquecer dos filmes que fez. 

Minha cabeça foi automaticamente pra um extremo dramático: será que a experiência de fazer os filmes foi tão ruim assim pra ele, que ele gostaria de apagar qualquer resquício disso da sua mente?

Mas não, o homem quis apagar a memória dos filmes para poder assistir a obra-prima que criou com olhos virgens, não contaminados pelos anos de processo criativo desgastante.

Espero um dia ter uma autoestima desse tamanho. 

Apagar uma memória pra ver o que eu já fiz de novo? Jamais! 

Eu sou do time que, se fosse apagar alguma memória, escolheria algum momento constrangedor da vida, e ai de quem ousar me lembrar depois.

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Muito mais útil do que apagar memórias em si, na minha opinião, é poder apagar a memória dos outros, como no filme dos Homens de Preto.

Fez um comentário que pegou mal? Flash na pessoa, e tenta um comentário diferente.

Pediu pra alguém lhe dar a mãe em vez de lhe dar a mão? Flash.

Ejaculação precoce? Flash. Tenta de novo.

Infelizmente, procurei o flash que eles usam no filme no Shopee e não encontrei nenhum disponível, pelo menos não com frete grátis.

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Agora, falando sério, discordo profundamente da ideia de se livrar de memórias negativas que já tivemos.

É como querer apagar o quarto andar de um prédio e querer que todos do quinto pra cima continuem no lugar. Mesmo o pior trauma que tivemos faz parte da estrutura que nos mantém de pé hoje.

Inclusive: o recalque, que é a teoria desenvolvida pela Valeska Popozuda que diz que memórias muito angustiantes são jogadas para o inconsciente, tende a ter muito mais efeitos negativos a longo prazo do que positivos.

Muito de uma terapia tem a ver com recuperar memórias ruins e lidar com elas do que apagar momentos traumáticos. Uma história sem traumas não faz sentido, uma narrativa com buracos no roteiro é chata demais de se manter.

Afinal, o que é uma memória se não uma história contada pela gente pra gente mesmo? 

Talvez a gente não possa ver um filme com os olhos virgens, mas pode adaptar a história ao nosso gosto. Uma ou outra parte mais chata, tudo bem. O importante é poder assistir sem precisar fechar os olhos em nenhuma cena.

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