Pense bem



Tenho descoberto os benefícios de pensar.

Um colega me ligou indignado com algo que outro amigo fez com ele. Desabafou e eu lhe dei toda a razão. Era um absurdo, mesmo. Eu precisava fazer alguma coisa a respeito. Desliguei o telefone na certeza de que ia telefonar para o outro amigo e colocar os pingos nos is.


Ensaiei brevemente uma resposta quando minha cama me chamou. 

"Eu tô livre, você também, faz tempo que a gente não fica junto", ela disse - ou talvez não tenha dito e eu só ouvi porque realmente faz tempo que eu não durmo direito.


Sentei na cama. Fiz uma preliminar rápida lhe afofando as almofadas e passando a mão pelo edredom macio. Fazia tempo que eu não dava atenção pra minha mais amada companheira. Deitei.

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O celular falou "Olha pra mim também!", e eu recusei. O livro, que eu sempre tenho ao lado da cama pra fingir semanalmente que eu tenho o hábito da leitura, falou "Já tá na hora de ler seu paragrafinho semanal!". 

Mas não, eu queria ficar sozinho, no máximo com a cama roçando gostoso em mim. Eu tinha um telefonema para digerir.


Pensei no que meu colega tinha me dito.

Pensei no que eu diria ao outro colega.

Pensei no que diabos eu tinha a ver com a situação.

Pensei no que aconteceria se eu fizesse algo, no que aconteceria se eu não fizesse nada e no que aconteceria se eu pegasse no sono e acordasse de sonhos intranquilos transformado numa barata.

Me perguntei o que eu sentia a respeito até que percebi... indiferença. 

Eu não sei quem foi a primeira pessoa a formular que os outros que se resolvam com os problemas deles, mas espero que essa pessoa tenha ganho um prêmio Nobel.


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Os resultados foram incríveis: em quinze minutos toda a emoção que eu senti da treta que tinha acontecido se transformou em um intenso foda-se. 


Eu devia pensar mais. Me fez bem.


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A gente fala muito de pensamento acelerado e da cabeça ansiosa com coisas demais acontecendo.


As respostas que aparecem costumam ir para dois extremos distintos: um lado, mais imediatista, quer distração. Toma um TikTik de 30 segundos e depois mais outro, e outro, e você vai esquecer todos os seus problemas - e ainda levar de brinde uma sobrancelha tremelicando.


Outro lado, mais zen, quer que você fique em absoluto silêncio: fique numa postura que ressalte todos os desconfortos que uma espinha dorsal humana possa ter e não pense. Pensamento zero. 

A iluminação fica na primeira esquina depois da cabeça limpa.


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Proponho um cima do muro radical: e se a gente só pensasse, do jeito que a cabeça faz quando está sozinha? Acredite, eu fui cobaia disso depois de anos sem uma única sinapse útil e sobrevivi. 


Pensar intencionalmente é horrível, e por isso mesmo costuma ser muito resolutivo. Em meia hora você já não aguenta mais e acaba lavando a louça, depilando a púbis ou respondendo aquele email que está há oito dias na caixa de entrada. 


Depois disso, volte aos hábitos tradicionais de ficar no celular ou deixar a cabeça vazia. Use da moderação. O último cara conhecido como um Pensador virou uma estátua.

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