A casa

Uma vez eu amei demais.

Com esse amor, decidi construir uma casa. Seria a casa dos meus sonhos, e pus minhas mãos à obra.

A princípio, só eu trabalhava.
Depois fui ganhando espaço, mas não foi tão fácil.

Quando eu construía um quarto, ele levantava um muro.
Quando eu construía uma sala de estar, ele fechava uma porta.

Mas eu insisti, e a casa foi tomando forma.

Deu trabalho, mas eu insisti muito para viver ali.
Alguns amigos falavam: "Cuidado, o material não é bom! Essa casa vai cair!", mas eles não sabiam de nada.

Aquele era o projeto da minha vida.

--

Morei contente na casa por algum tempo.

Mas não muito. O teto começou a pingar, o chão foi rangendo... algumas tábuas iam se soltando, o reboco da parede se esfarelava.
Me apressei em fazer remendos.

Um puxadinho ali, uma camada de tinta para disfarçar uma infiltração acolá, eu fui levando enquanto dava.

Meus esforços não bastaram por muito tempo: a estrutura estava condenada.

Eu tinha que sair dali.

--

Como foi difícil abandonar o lar que eu sonhei por tanto tempo!

"Jamais vou ter forças pra construir algo novamente!", pensei.
Deitei ao relento e fiquei por lá.

Sofrendo pelo esforço que fiz por aquela casa que só era bonita no sonho.
Sofrendo pelos esforços que eu não fiz.
Sofrendo por não ter prestado atenção de que eu construía uma coisa e meu parceiro outra.

Sofrendo por entender que a casa dos meus sonhos jamais seria meu lar.

--

Até que alguém me ofereceu pouso.

Confesso que, de primeira, não gostei da ideia.

Eu já estava bem dormindo sob uma marquise. Não esperava mais morar em casa nenhuma, e mesmo que esperasse, não achei que ficaria contente com uma casa que não foi a que eu sonhei.

Mas, por mais que eu negasse, eu sentia frio, e solidão, e medo.
Aceitei ir para essa casa, tão mais simples do que a que eu tinha antes.
A diferença era que me queriam lá.

--

Fiz meu puxadinho com um amor muito mais modesto, num projeto muito distante daquele que eu tinha sonhado.

As tábuas que carreguei comigo foram todas presas com parafusos - eu não seria doido de me pregar ali como fiz da outra vez.

Ocupei cada espaço com muito cuidado. Resisti a me sentir em casa por lá.

Mas fui baixando a guarda, e às vezes me surpreendia com como gostei das coisas como foram ficando.

Na cama, dois travesseiros que queriam estar ao lado do outro.
Na cozinha, duas canecas que serviam contentes o mesmo café.
Na estante, um porta-retrato com um sorriso sincero.

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Ainda sinto falta da minha primeira casa. Ainda doem os sonhos que ficaram por lá.

Só que aqui, no meu endereço novo, o chão já não range.
Não há mais visitantes indesejados.
A estrutura foi feita com muito mais solidez.

Sim, algo de mim ficou na casa antiga. Mas no meu coração, sei que é muito melhor morar aqui.

Lar, agridoce lar.

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