Devolva o bolo



O melhor antidepressivo é o Zoloft. Ou o Prozac. Ou a Paroxetina.

Mas, apreciações de produto farmacêutico à parte, não há antidepressivo melhor do que um bom café com bolo.
Foi isso que eu fui procurar na minha horinha de folga de ontem.

Fui a um café descoladinho do bairro chique da cidade, pedi um capuccino e um pedaço de bolo.

Era bastante cafeína, mas não achei isso fosse me impedir de dormir naquela noite.

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Esse deve ter sido o ano em que eu menos li livros em toda a minha vida, mas em compensação, as séries estão super em ordem.

Por exemplo, ontem de madrugada fiz uma maratona do Kitchen Nightmares, o programa em que o chef de cozinha Gordon Ramsay vai a restaurantes com dificuldades, experimenta os pratos e xinga todo mundo até que a comida fique boa.

Tenho uma afinidade especial por programas de TV que tem um especialista gritando com pessoas sem noção. Ver gente que agiu errado de propósito sendo punida é uma coisa que me acalma.

O programa do Ramsay é um absurdo atrás do outro. Carne crua misturada com carne assada, comida mofada guardada há meses... O chef experiente, claro, mete a boca em todo mundo.

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Tem pouca gente que eu admiro sem nenhuma restrição.

Deixa ver... Jesus Cristo? Nelson Mandela? Joan Rivers?


Um nome é certo na lista: o de qualquer pessoa que saiba fazer um bolo de milho que fique molhadinho.

Se café com bolo é antidepressivo, um café com bolo de milho bem feitinho trata transtorno até da vida passada - mesmo que só por uns minutos.

Só pude imaginar que a fatiazinha minúscula de bolo de milho do lugarzinho descolado fosse uma delícia, porque seria muita coragem cobrar oito reais por um pedacinho de bolo daquele tamanho que não fosse nada menos que um contato direto com Deus.

Mas olha... Coragem não faltou.
O bolo era duro, esquisito, provavelmente de uns três dias antes.

Gostaria de dizer que estava intragável, porque se fosse intragável eu teria conseguido devolver. Mas estava tragável.
Por isso, traguei, quietinho, os oito reais de bolo sabor tristeza.

Nada mais frustrante que comida mal feita e bem paga.

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Afinal de contas, qual o problema de comer quietinho e ir embora sem perturbar ninguém? A moça da cozinha não tem culpa que eu achei o bolo ruim. Vai que alguém briga com ela? Vai que eu incomodo?
Não ia me custar nada ficar quietinho.

Mas custou sim.
Depois de assistir uns episódios do chef Ramsay devolvendo pratos e cobrando dedicação da cozinha, fiquei puto.

E aí passei a madrugada inteiro acordado, fazendo cenas na minha cabeça e brigando comigo mesmo por ter comido aquele bolo quieto.

Entendi porque gosto tanto de programas de TV com protagonistas justiceiros e que botam gente folgada no lugar: porque é muito raro eu ter colhão pra fazer isso eu mesmo.

Por que diabos é tão mais fácil aceitar o prejuízo em silêncio do que correr o risco de ser mal visto por outra pessoa e exigir o que se quer?

Preciso trabalhar isso em mim.
Ou, pelo menos, tomar um cafezinho com bolo pra ficar mais calmo.

O que vier primeiro.

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