Desistir ou tentar
De tudo o que eu já reclamei da minha mãe para o meu terapeuta (me incomoda reforçar a ideia que terapia é falar mal da mãe, o duro é que realmente é pelo menos 25% isso), uma coisa eu sempre agradeci.
Era meu primeiro dia em Curitiba. Me mudei sozinho, com minhas coisas divididas entre uma mala e um saco de soja, uma bolsa pra estudar psicologia e sem nenhuma ideia de como me mexer numa cidade grande.
Meu pai me ajudou a alugar um quarto (numa casa que ficava, coincidentemente, nos fundos de um hospital psiquiátrico). Cheguei atordoado aqui. Precisei descobrir qual era o caminho do ônibus. Precisei me localizar na faculdade, precisei achar a sala, precisei me apresentar pra um monte de gente.
Chegando em casa, exausto emocionalmente, eu entrei em pânico.
"Mãe", disse eu, choroso ao telefone, "eu quero voltar. Isso aqui não é pra mim".
As palavras que ela me disse naquele momento viraram meu lema de vida:
"Filho, eu sei que é difícil. Eu quero muito pedir pra você voltar pra casa, tudo o que eu quero é que você volte... Mas ainda é muito cedo. Você ainda está assustado. Experimenta ficar uma semana. Um mês. Um bimestre. Depois você volta."
"Tô com medo", eu disse, bem diferente do moleque confiante que jurou nunca mais voltar pra Pato Branco no dia anterior.
"Tudo bem", ela me acalmou, "você pode voltar. Só não volta hoje."
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Decidi ficar mais um dia, e foi menos difícil. Mais um, e dessa vez foi mais difícil. Depois, outro mais fácil. Mais um, e mais um, e mais um, e já passam de dez anos comigo aqui.
Talvez minha primeira lição de psicologia tenho acontecido naquele dia, mas fora da faculdade.
Se ela tivesse dito "Volta agora pra casa", eu talvez tivesse voltado pra casa e me arrependido depois, sem coragem pra tentar de novo.
Se ela dissesse "Fica, filho, você já fez a gente pagar o aluguel do seu quarto", eu ia me sentir mais terrivelmente sozinho do que nunca.
Ela ouviu minha dor e me deu a permissão para senti-la, mesmo que eu não decidisse nada naquele momento. Ela me tirou do tudo-ou-nada e me mostrou que o tempo podia me ajudar mais do que qualquer decisão que eu tomasse.
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Por isso estou plenamente convencido que o "eu sei que é difícil, faça o que quiser, mas faz um esforcinho" é o melhor método de aconselhamento que existe.
Não porque a pessoa não sabe que é difícil. Ela está na situação, é o cu dela na reta, ela sabe.
Não porque a pessoa não sabe que ela pode decidir qualquer coisa. Ela está indecisa justamente por ter opções.
Mas principalmente pelo "faz um esforcinho". Pelo "tenta um tantinho mais antes de desistir", por emprestar um pouquitinhozinho de força que pode fazer toda a diferença pra pessoa naquela hora.
Seja porque ela vai tentar mais um pouco e conseguir, e ficar grata por isso, seja porque ela desistiu muito mais consciente de que aquilo era a decisão correta naquele ponto de sua vida.
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Ano passado foi minha vez de estar do outro lado. Fui comprar roupa e percebi o sotaque na fala do vendedor.
"De onde você é?", perguntei.
"Do Rio", e ele sorriu só de lembrar de onde vinha. "Tô aqui faz um mês, mas não tô gostando não".
"Por causa do frio?", eu quis saber, jogando no óbvio.
"O frio também, o frio é horrível. Mas eu não fiz amigos aqui ainda, ninguém parece que gosta de mim, ficar longe da família é difícil, eu não vou aguentar não."
Eu não sou de dar conselhos mas não aguentei.
"Cara... Fica mais um pouco. Fica um mês, fica até o fim do inverno."
"Cê acha que vale a pena?", ele perguntou, o olho meio de emoção, meio de desconfiança.
"Acho. Acho que, se você voltar pro Rio agora, você talvez nunca mais tenha a chance de passar por um inverno bosta desses. Se você passar, vai poder falar desse inverno bosta por toda a sua vida!"
Ele continuou ouvindo.
"E se você ficar até o fim do ano, você vai saber muito melhor como é viver longe da sua família. Você vai voltar muito maior como pessoa do que chegou. Ou ainda, quem sabe, você comece a gostar daqui e não queira mais ir embora."
Acabei comprando um negócio que eu não queria só pra ele não ter um dia interrompido por uma pessoa aleatória cheia de conselhos a oferecer, sem sair com pelo menos um trocado de comissão.
Lembrei dele hoje. Não sei se insistiu em ficar aqui ou se voltou pra casa, mas espero do fundo do meu coração que ele tenha tentado um pouquinho mais.
Nunca vou deixar de gostar do modo como você escreve.
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