Momo é a mamãe


Minha mãe me ligou emocionadíssima, comentando como ficou feliz de eu ter falado bem dela no último texto.

Que bom. Ganhei crédito pra contar uma história que ela não gosta:

Com dois meninos em casa frutos do mais puro DNA de capeta, a vida dela não era muito fácil. Imagine assim: dois macacos selvagens com diarreia soltos uma loja de pisca pisca após cheirar cocaína. Esses eram meu irmão e eu.

Um dia, ela exausta e deprimida, botou os dois filhos na cama e foi dormir. Meu irmão acordou choroso e foi acordá-la:
- Mãe, não consigo dormir... Tô com medo de bruxa.

Minha mãe acordou do seu primeiro descanso em muitas horas e explodiu:
- A BRUXA SOU EU!

Meu irmão foi pra cama rapidinho.
Aliás, ele nem lembra da história, que minha mãe conta quase arrastando o rosto no chão de vergonha e culpa, mas eu não consigo sentir nada além de carinho por aquela mãe que, como todas as mães, estava fazendo tudo o que podia.

O perigo ali não era a bruxa.
Era a exaustão, a depressão, a rotina, a vida.

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Acho engraçadíssimo esse pânico todo com a Momo, a mulher que supostamente aparece em vídeos infantis pra aterrorizar criancinhas e levá-las à morte.

A cada seis meses eu faço um texto desses sobre o novo pânico do momento: Baleia Azul! Pactos de suicidio entre adolescentes! Bruxaria satânica que rouba criancinhas na rua e serve ao molho pardo!

É como se sempre houvesse algum Grande Perigo® disposto a arruinar nossas criancinhas.

O Grande Perigo® da vez - agora a Momo, ano que vem qualquer outra coisa - é a versão para adultos do Velho do Saco.

Existem coisas ruins no mundo que podem destruir vidas? Existem, existem sim. Mas não é tanto.

Para quem está exausto, trabalhando feito doido e dando o máximo de si pra criar uma criança, a fantasia de um Grande Perigo® que assola o mundo e do qual devemos nos proteger cai muito bem.

É uma chance de quem passa a maior parte do tempo no papel de pai e mãe poder se colocar no lugar da criança indefesa que realmente sente ser.

É ter um inimigo muito forte, que realmente pode nos derrubar, pra nos distrair da ansiedade das merdas mil que podem acontecer a qualquer momento.

Ter um Grande Perigo® para enfrentar nos distrai do peso de lidar com os verdadeiros perigos, aqueles comuns e cotidianos que pesam sobre todos os pais.

O que é minha exaustão perto de um gênio assassino da internet que ensina crianças sobre suicídio? O que é minha falta de tempo perto da Baleia freaking Azul?

O Grande Perigo traz um breve momento de descanso para a onipresente culpa que toda criança crescida que se dispõe a criar outra criança tem.

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E, da mesma forma que a Momo dificilmente vai arruinar a vida dos seus filhos, fique tranquilo: você provavelmente também não vai.

Da mesma forma que há vários pequenos perigos, há uma série de pequenos atos de amor e gentileza que você certamente faz com muita frequência que tem muito, muito mais impacto na vida de uma criança do que qualquer pequena cagada que você possa fazer.

Ainda que haja tantos grandes e pequenos perigos ao nosso redor, basta um pouquinho de carinho e boa intenção para que estejamos todos - grandes e pequenos - protegidos.

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