Artigos de Luxo


Quando tinha uns 7 anos, eu ganhei o maior luxo que uma criança da época poderia ter: um estojo de plástico, grande como um caderno universitário, com todos os apetrechos artísticos possíveis. Tinha aquarela, giz de cera, tesoura sem ponta, lápis de cor das mais diferentes cores, só de lembrar eu consigo lembrar do cheiro.

Mas melhor do que o bem em si era a exclusividade. Graças ao timing da viagem do meu pai daquele ano ao Paraguai, ninguém mais da minha turma tinha um estojo daqueles. Eu estava vivendo a vida grã-fina before it was cool.

Eu me sentia especial. Único. 

O material escolar era muito bacana, também, e continuou sendo legal no ano seguinte, mas nisso a moda já tinha me alcançado. Vários colegas já tinham um estojo igual e o que antes era um símbolo de ostentação acabou perdendo a graça. 

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A indústria do luxo é baseada nessa mesma sensação, se você for ver bem. Coisas luxuosos não são coisas de luxo necessariamente por serem feitas de materiais mais nobres.

Não, tudo é calculado para fazer coceguinha na exata parte do nosso cérebro responsável que deseja cantar EU TENHO, VOCÊ NÃO TEEE-EEEM! pro coleguinha. 

Ter é bom, mas o outro não ter é um tempero e tanto.

E foi assim que as pessoas foram comprando carros cada vez maiores até chegarmos em hoje, a época em que um SUV médio tem o mesmo tamanho e consumo de combustível que um microônibus escolar.

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Aqui entre nós, não sou contra isso de ter luxos. Mas se é pra desejar a exclusividade, vamos caprichar: o que é que está em escassez agora? Qual o produto exclusivo personalitté que quase ninguém consegue ter?

Me perdoem a forçada de barra, mas amizade por aqui anda difícil.

Talvez seja falta de tempo, mas todo mundo que eu conheço está tentando organizar a agenda pra ter tempo para si. Se falta tempo para si, quanto mais ter tempo para jogar conversa fora!

Não que me faltem amigos, eu fiz um estoque legal no passado que consegue me sustentar por um bom tempo ainda. 

Mas conviver de perto anda escasso. 

A gente trabalha tanto! E agora, trabalha tanto em casa também. Se no escritório, trabalha com um fone de ouvido. São tantas atribuições solitárias se acumulando que passar um tempo sincero, sem pressa, com alguém é ítem de... bem, luxo.

Não é à toa que podcasts andam fazendo sucesso. Será que é o conteúdo que a gente quer ou é só vontade só escutar gente conversando, mesmo?

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Outro dia fui tomar um café com uma amiga e em pouco tempo fiquei super inquieto. 

Era alguma coisa lá dentro dizendo que eu não poderia me dar o luxo de ficar horas batendo papo sem me preocupar com a pilha de trabalho em casa. A miséria, amigos, ela gruda na gente. 

Pois eu empurrei a miséria pra longe e pedi mais um café. 

Se antes era luxuoso poder ter tempo a sós num mundo em que a imposição era a interação constante, a joia do momento é conseguir encontrar alguém e conversar a uma distância em que você consiga encostar no braço da pessoa. Fazer uma refeição e ouvir uma história, que fortuna! Se permitir escutar uma história que você já ouviu antes, então? Considere-se um marajá.

Mas acho que ainda estamos antes da moda explodir. Adquirir um amigo ainda é possível com algum esforço. 

Faça o seu amigo enquanto os estoques estão disponíveis. E usufrua, viu? Meu estojão foi pro lixo e eu nem tinha usado a aquarela.

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