Rodízio de Filho
Qualquer um que já viu uma de perto sabe: criança cansa a gente. Elas gritam, elas fazem cocô e elas sabem exatamente qual gaveta abrir pra rasgar justo a escritura daquele terreno pelo qual sua família briga há anos.
Tempos atrás, esse desgaste era compartilhado entre várias pessoas ao redor da criança: pais, tios, avós, os gerentes da fábrica em que a criança trabalha; uma aldeia.
Agora a criação está bem mais cada um por si, e isso assusta. Mesmo quem gosta da ideia de ter filhos tende a pensar duas vezes, com medo do vendaval de gastos e do trabalho interminável que nasce com um bebê.
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Pois eu proponho uma mudança: vamos resgatar a aldeia em um modelo capitalista.
Gostaria de apresentar a minha ideia de rodízio de filho.
É como um groupon de nenê. Alguns casais (ou intrépidos pais e mães solo) se reúnem e optam por adotar, produzir organicamente ou imprimir uma criança em uma impressora 3D.
Essa criança passa a ser de todos os casais ao mesmo tempo.
Digamos que o esquema seja entre quatro casais. Cada par fica com a criança por uma semana. Isso é tempo suficiente pra amar, dar carinho, criar memórias afetivas juntos e quase morrer de exaustão.
Digo quase porque na semana seguinte, a batata quente passaria pra outro casal.
Cada casal fica responsável pela criança por uma semana no mês.
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Mas Flávio, você não acha que isso vai traumatizar a criança?
Sem problemas! Eu pensei em tudo. Com oito pessoas responsáveis financeiramente por ela, um bom terapeuta vai ser super acessível.
E se acontecer de você ser um péssimo pai, sem problemas também! Você só vai traumatizar um quarto da criança. Os outros 75% podem respirar aliviados.
Você quer um filho e seu/sua parceira não? Tranquilidade pura. Ela pode passar uma semana por mês viajando e nem cruzar com o fedelho.
Na velhice do grupo multiparental, não vamos sobrecarregar a criança. Ela vai ter oito heranças só pra ela! E quem sabe ela consiga um desconto contratando um plano família no asilo.
E se eu quiser dar um irmão para o meu filho? Bom, você pode entrar num acordo com os outros membros do consórcio de criança e colocar mais uma pessoinha no esquema, ou entrar num segundo rodízio de filhos com outros casais.
Organizando bem, todo mundo procria.
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Sim, sim, pode parecer uma grande pataquada, mas eu aposto meu filho (ou a minha cota correspondente) que mais hora menos hora vai sair uma matéria na Veja falando algo como "Multiparentalidade: o coparenting moderniza laços familiares e impulsiona a economia", com um anúncio de uma empresa mais especializada em fatiar criança que o Rei Salomão.
Talvez mais pra frente os problemas do meu modelo apareçam, e aí a criança vai ficar igual aquele apartamento em timeshare que as pessoas são pressionadas a comprar quando estão em lua de mel: impossível de se livrar e um custo danado.
Mas, por mais fofas que sejam, vai dizer que toda criança não é assim? Ainda assim, há quem diga que vale o investimento.

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