Emoção nenhuma
Eu andava desconfortável de encontrar velhos amigos, e não era nem por falta de gosto. Minha personalidade é de cachorro labrador e eu fico muito contente de cruzar com qualquer amigo, ainda que mesmo os mais íntimos ofereçam alguma resistência quando eu tento lhes cheirar o traseiro.
O que me pegava é que, depois de eu cumprimentar efusivamente a pessoa, o momento feliz era imediatamente fatiado pela pergunta: "E aí, o que você tem feito?".
Que terror, gente. Eu não tenho feito nada. A última vez que eu fiz alguma coisa foi lá por volta de 1996, e foi contra a minha vontade.
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Isso deixou um grilo na minha cabeça que eu não conseguia deixar de lado. Achei até que chegou a hora de ter uma crise de meia-idade, mesmo achando que ainda não cheguei lá.
Eu precisava de emoção. Eu sempre corri em mil direções diferentes, como assim eu estava satisfeito com simplesmente deixar um dia vir atrás do outro? Eu pre-ci-sa-va chacoalhar o coreto.
Aí que morava o desafio: mudar o quê, se eu até que tô bem?
Mudar de carreira? Eu gosto do que eu faço!
Mudar de casa? Agora que eu acabei de resolver a goteira no registro do banheiro?
Mudar de relacionamento? Os homens são todos iguais, e o meu toma banho. Pra mim tá bom.
Percebi que a monotonia não era o problema que parecia ser.
Quando a minha vida era cheia de novidades, era porque eu não tinha outra opção. Era lidar correndo com o que aparecia e torcer pro futuro ser melhor. Enquanto eu tava na correria, com o que é que eu sonhava? Justamente com a vida monótona, segura e confortável que eu tenho hoje.
A pessoa inquieta em mim não deixou de existir. Eu só tive, pela primeira vez, a oportunidade de me sentir satisfeito -- e a satisfação é um pouco enfadonha mesmo. Não por isso é menos importante.
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Por isso eu fico intrigado com quem viaja o mundo à procura de emoção. A pessoa já não tem problemas de verdade? Vai juntar meses de salário pra me jogar de uma ponte, presa só por um fio de fone de ouvido? Não, não. Não é pra mim.
Eu já passo pela rua escura de um cemitério quando volto do supermercado à noite. É emoção suficiente.
A única sensação extrema que eu busco é a de paz.
Um dia ainda me confundo e tento comprar um pacote turístico numa funerária, só porque li "Descanse em Paz" no letreiro.
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Quer dizer, eu até entendo essas pessoas mais intensas.
Às vezes a pessoa já saturou de estabilidade. Talvez more na mesma casa há trocentos anos, trabalhe com os mesmos problemas há muito tempo e precise de uma injeção de adrenalina na própria vida.
Só isso explica quem vai lá e compra uma moto.
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No fim das contas, todo mundo procura aquilo que sente falta. Os cansados querem paz, os entediados querem movimento e os meio térmicos querem o meio termo.
O quanto a gente vai ser atendido no nosso desejo é que escapa da nossa escolha, mas tanto a adrenalina quanto a monotonia são inevitáveis.
E a vida, vai fazer o quê, oscila.
Pelo menos assim todo mundo fica contente (por mais ou menos 30% do tempo).

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