De cara feia
Vou fazer uma leitura mediúnica da sua aura, peraí. Se concentra.
Estou sentindo o que lhe aflige do outro lado da tela, e o que lhe aflige é uma entidade muito pior do que um encosto.
Você está sendo assombrado por um chato.
Vou além: pelo pior subtipo de chato, o chato espaçoso.
Aquele chato que gosta de testar seus limites e de ir sempre um pouquinho além de onde é bem-vindo, e o faz sempre com um sorriso no rosto. O chato espaçoso é sempre muito simpático.
Ele chega fazendo uma pergunta inconveniente com a entonação de quem tá só brincando. Ele pede favores em público, de um jeito que vai certamente fazer parecer muito mal educado quem ousar dizer não.
O chato tem cara de todos os paus de um baralho inteiro, e é impossível constrangê-lo.
E, cá entre nós, chega de gente assim no mundo.
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Lidar com gente espaçosa cansa por dois motivos: um, é muito trabalhoso reforçar limites o tempo todo, dois, é mais pesado ainda quando a gente tenta ser educado no processo.
É nessa hora que a gente perde a briga, quando acaba cedendo só pra se poupar do trabalho que daria botar limite num chato dessa estirpe. Aí, quando a gente vê, a pessoa entrou em tantos espaços nossos que a gente fica sufocado e não vê outra opção senão explodir.
E o chato, depois da explosão, fica ofendidíssimo. Como é chato o chato!
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Pois eu tenho uma teoria: o problema é querer ser legal.
A pessoa que tenta ser gentil o tempo todo é a vítima perfeita de um folgado. O folgado sabe explorar o desconforto da pessoa gentil de modo a lhe fazer obedecê-la, e quem passou a vida toda se podando pra não gerar desconforto pra ninguém sofre muito com isso.
Afinal de contas, a gente só quer ser amado, certo? E só é amado quem é gentil, certo?
Uma pessoa mais moderada sugeriria que pode ser útil entender que não é falta de educação colocar limite. Que dizer não é um direito seu.
Mas isso não cola com a pessoa educadinha. A pessoa educadinha precisa saber que quem está sendo invasivo é o chato, mesmo, e que a falta de respeito começou no momento em que a pessoa entrou num terreno para o qual não foi convidada.
Dali pra frente, a educação que vá às favas. É dedo no olho e xingar a mãe.
Por que não fazemos isso? Por medinho de parecermos rudes, afinal, quem vai gostar de uma pessoa grossa, me diz?
Pois eu digo que é bem o contrário.
Não há pessoa mais apreciada que aquela que sabe fechar o tempo quando é hora de tempestade.
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Começando pelo fato de que saber fechar a cara e colocar limites é muito saboroso. Quem começa não quer mais parar.
Além disso, colocar limites com firmeza é algo tão raro que inevitavelmente atribui a quem o faz uma aura encantadora.
Tem uma história famosa de que o Jamelão, puxador de samba da Mangueira, foi abordado por uma fã na rua que disse:
"Jamelão, eu amo você! Deixa eu te dar um beijo?"
De cara ele respondeu:
"Não! Não sei onde você andou com essa boca!"
Eu duvido que essa fã tenha saído ofendida. Garanto que saiu de lá ainda mais fã do homem.
Não é a toa que o Garfield, o personagem mais mal humorado que já existiu, faz tanto sucesso. Ele só age como muitos de nós, educadinhos, gostaríamos de agir: dando patada em todo mundo.
Há de se respeitar esse dom.
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Pra quem tem medo da reprovação social caso saia tesourando folgados, fica o convite. A pele de mal humorado pode lhe cair muito bem.
De quebra, você sai protegido de gente folgada, com o prazer de dar uma patada em quem merecia e seguro de ser charmoso - estupidamente charmoso.

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