Punk de pancinha



No ano passado, perdemos Vivienne Westwood, símbolo da moda punk. Punk, no caso, sendo um movimento dos anos 70 que desejar provocar mudanças na sociedade a partir do incômodo, através do choque, seja na música, na atitude ou no visual. 

No lugar de um casaco bonito, de pele, a ideia era usar uma jaquetona rasgada, com caveiras e tachinhas de metal de fora a fora. Em vez de um educado topete arrumado milimetricamente, usar um moicano gigante (arrumado mais milimetricamente ainda). 

A Vivienne, mesmo bem velhinha, andava por aí de cabelão laranja e roupas diferentonas. Era um jeito de reagir às demandas limpinhas da sociedade conservadora que ela conheceu ao nascer na década de 40. 


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Cês já repararam na quantidade de tempo que a gente passa constrangido?

Tenho visto isso por tudo.

Na padaria, alguém comenta "ai, não devia mas vou comer um docinho!".

Numa festa de casamento, alguém diz "como esse vestido mostra minha barriga!". 

Parece que estamos constantemente tentando justificar algum comportamento inadequado.

Compreensível: nos acostumamos a ter demandas muito altas não em apenas uma, mas em todas as áreas da vida. 


Tá proibido se satisfazer em ser uma boa mãe se você não tiver tanquinho. Tudo precisa ser absolutamente excelente. A carreira encaminhada. O estudo sempre atualizado. O corpo sempre musculoso. A casa digna de Pinterest. 

Estamos sob fiscalização constante.


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Esse estado de polícia em tudo não nos destrói só pelo cansaço. A expectativa de perfeição é violenta por bloquear nossa capacidade de sentir prazer.

Não dá tempo de ser feliz com o que conquistou no trabalho se você está sempre buscando a promoção seguinte. Não é possível se sentir seguro com a própria conta bancária quando as exigências financeiras só aumentam.

Sem contar que não é nada sexy esterilizar o corpo de todas as suas imperfeições como quem prepara um campo cirúrgico. Como gozar direito quando o pensamento está no (esse sim, sexy!) balanço da pancinha?


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Não há nada a se ganhar em ceder ao constrangimento de não atingir as expectativas. Essa vontade de agradar sabe-se lá quem só traz mais trabalho e submissão a regras com as quais nem concordamos de verdade.

É preciso combater isso. Se hoje um moicano já não choca mais ninguém, que inventemos nossa própria subversão. 


Hoje, punk é ter pancinha. 

É ter orgulho de andar de ônibus. É olhar pra quem prega "trabalhe enquanto eles dormem", pensar "otário" e ir tirar uma soneca. É olhar pro boletim da nossa vida cheio de notas 7 e achar ótimo.

É apreciar estar na média, não por mediocridade, mas por transgressão. 


Vamos perder o constrangimento e voltar a gozar!

Vai ser chiquérrimo.

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