Pelo fim do acolhimento

 


Primeiras sessões de terapia são, quase sempre, um tanto confusas. As histórias se atropelam, o ambiente é novo e raramente o paciente sabe exatamente o que foi que o trouxe para aquele lugar.

Talvez por acreditar nisso eu costumo esquecer uma pergunta clássica de primeira sessão: Qual é seu objetivo aqui?

Em respeito ao paciente estreante, tento deixar o ambiente o mais acolhedor possível. Minhas pontuações iniciais são sempre de aceitação e, na medida cabível, carinhosas. Não me parece produtivo oferecer frieza como recompensa pela atitude de procurar ajuda. 

Se o paciente ousasse tomar as rédeas da primeira sessão e invertesse a pergunta, soltando um "O que você pode me oferecer?", minha resposta também seria vaga. 

Algum espaço, certamente. Alguma compreensão. Um ouvido disposto a encontrar brechas de movimento num discurso às vezes já engessado pelo trauma da vida. 

Ainda que bem limitada, acho a oferta boa o bastante.

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Eu, euzinho, como profissional, sou bem pamonha. 
É raro sair da minha boca alguma confrontação mais enérgica sobre alguma fala de um paciente. 

Me incomodo quando algum colega se diz irritado com a lentidão no desenvolvimento de um paciente. A pressa é inimiga da reflexão.

Acredito de verdade que, quando acolhida por tempo suficiente, uma pessoa faz sozinha o trabalho de refletir sobre as suas atitudes. Além disso, as pessoas que aparecem no meu consultório já costumam ter uma tendência à autocobrança.


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Ainda assim, não acho que o acolhimento seja o objetivo final de uma terapia. Se fosse o caso, nenhuma intervenção terapêutica iria além de um "poxa, tadinho!". 

O acolhimento é só uma ferramenta para reconhecer os desconfortos que temos e para nos permitir desejar ir além deles. Acolher, sem julgamentos, é como um farol que nos ajuda a iluminar capacidades estão mais disponíveis para que aquela pessoa se desenvolva. 

A partir dali, é ela com ela. 
Primeiro engatinhando, depois arriscando alguns passos e caindo, e depois sentindo-se capaz de arriscar distâncias cada vez maiores. 

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Irrita quando o terapeuta muda de postura e passa de tiozinho fofo a carrasco cruel, mas essa frustração também vem de um lugar gentil.

Como terapeutas, estamos aqui para incentivar os recursos de segurança que uma pessoa tem, não para acolchoar o sofrimento, sufocando as reações naturais - e saudáveis! - que essa pessoa pode ter.

Não, ninguém tem culpa de ter depressão - mas pertence ao deprimido a dignidade de ser algo para além disso.

Ninguém com sintomas de desatenção deveria precisar se martelar para caber numa sociedade que não respeita seu cérebro - mas seria muito bonito que ela encontrasse seu próprio modo de viver com autonomia a partir dali.

Todos merecemos um colo confortável para chorar nossas angústias. Por outro lado, somos sim responsáveis por sair desse colo e enfrentar o mundo como ele é - e, de quebra, aprender a viver relações com algum conflito e não apenas pautadas no acolhimento.

Estou oferecendo uma visão romântica do sofrimento mental? Talvez. 
Mas não se trata de romantizar o desconforto, e sim de oferecer a possibilidade de romance para quem achava estar vivendo uma tragédia. 

Afinal, quem não quer viver uma história bonita?

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