Pombas
Faz tempo que eu não escrevo por aqui. O esforço de sentar a bunda na cadeira e digitar por vários minutos não tava fazendo muito sentido pra mim nos últimos tempos.
Escrever virou obrigação, e obrigação e limão galego azedam quase tudo. Um amigo jornalista me disse que a faculdade assassinou seu prazer de escrever: a partir do momento em que o dom virou um produto, a alegria foi embora.
Eu estudei psicologia com a desculpa de que eu poderia escrever melhor se conseguisse, de alguma forma, entender as motivações e sentimentos das pessoas.
Acabou que a psicologia me deu um palco legal para escrever. Foi falando sobre sentimentos que eu conquistei uma carreira, já que escrever sobre sentimentos dava a impressão para as pessoas de que eu talvez conseguisse conversar sobre eles também.
A coisa fez tanto sucesso, em um ponto, que eu comecei a me sentir obrigado a produzir insights em série pra manter o nível que a expectativa sugeria. Azedei. Já faz algum tempo que escrever sobre sentimentos como se fossem entidades sagradas e distantes me dá um pouquinho de enjoo.
Quando minha relevância online acabou - como acabam todas as relevâncias - confesso que senti algum alívio.
Mas qual o propósito de escrever, então, se hoje meu consultório está relativamente cheio? Se os sentimentos já não são a fonte de inspiração que um dia foram? Se pouca gente ainda me lê?
Foi aí que uma coisa me pegou em cheio. Uma coisa não, uma pomba. Lá vai:
Eu gosto de fazer longas caminhadas pra me perder nos pensamentos. Nos pensamentos, aliás, eu continuo escrevendo muito, porque pensamentos são muito mais hospitaleiros do que o papel.
Pois bem, estava caminhando quando vi uma pomba voando perto de mim. Eu nem tchum - pomba é tipo aqueles risquinhos na vista que a gente aprende a ignorar - mas aquela pomba não estava disposta a ser ignorada.
Enorme, ela deu um rasante em mim e bateu violentamente na minha testa. Sem exagero, parecia que eu tinha passado por um acidente de carro e batido com a cabeça no painel.
Jamais imaginei que colidir com uma pomba seria uma possibilidade nessa vida, mas lá estava eu, na rua, com a cabeça doendo, os fones de ouvido caídos no chão e os pedestres ao meu redor segurando (mal) a risada.
Tudo o que passava na minha cabeça, além de umas penas que ficaram presas no meu cabelo, era que eu precisava escrever sobre isso. Se eu não contasse essa história pra ninguém, o incidente só seria marcante pra mim e pra pomba, e a dor na minha cabeça só teria sido um inconveniente numa segunda-feira qualquer.
Já se eu escrevesse sobre isso, a situação mudaria de figura. Viraria uma anedota, viraria um evento, viraria um pinguinho de singularidade no personagem que eu sou.
Acho que é por isso que eu gosto de escrever, pelo sentido que se pode dar aos absurdos. Pelo curioso. Pela meditação. Pelo prazer. Por poder compartilhar as coisas que subitamente me vem à cabeça.
Esse texto vai me trazer likes? Não muitos. Pacientes? Provavelmente não também - o público de pessoas traumatizadas com pombas não deve ser tão grande.
Mas vai fazer diferença pra mim. Isso basta.

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