Diga-me com quem andas. Sério, diga mesmo.

 




Sempre dá pra deduzir muita coisa a partir do grupo que cerca alguém. Seja pela possível afinidade que constituiu o grupo, seja por perceber de longe que o grupo não tem afinidade nenhuma e só está unido por alguma obrigação.

Na pré adolescência, os meus recreios na escola em geral eram passados com o grupo de rejeitados sortidos que dividisse a sala comigo. Não que a gente não tivesse coisas em comum, longe disso. A gente compartilhava a raiva do resto da turma, alguma sensação vaga de superioridade, notas altas e uma forte percepção de que estando num grupo de cinco a chance de apanhar na saída da escola seria menor.

Agora, mais anos depois do que vale a pena compartilhar, tá cada um num canto. Não sobrou muita afinidade pra manter os laços mas, ei, foi infinito enquanto durou. 

Juro, enquanto durou, a sensação foi de que os anos de escola eram infinitos mesmo.

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Outros grupos tem afinidades mais óbvias: os colegas de faculdade (que caíram na mesma ilusão de trabalho feliz que você e depois permanecem unidos por um lindo laço de desemprego), os membros da mesma comunidade religiosa, as vítimas de um mesmo golpista... Os dois últimos grupos podem ser o mesmo, inclusive.

Desses grupos que costumam vir as decepções, porque é na aparente semelhança que mora a vilã expectativa.

A pessoa que é muito sua amiga, mas não gosta de absolutamente nenhuma outra pessoa? Só gosta de você enquanto você atende as expectativas dela. A corda bamba não vale a amizade.

Muito querido o seu amigo de infância, mas ele só segue pilantra, defende pilantra, cheio de ideias ambiciosas com um tonzinho de pilantragem? Dói, mas uma hora a gente tem que admitir que ele provavelmente é pilantra também - e que é melhor não estar nessa vizinhança. 

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Por isso eu tenho procurado reparar profundamente nos amigos dos meus amigos.

Convenhamos, eu não tenho mais idade ou disposição pra frequentar grupos estendidos de amizade, por mais que tenha amado fazer isso nos meus vintepoucos. Longe estão meus dias de passar o feriado na casa do primo da amiga da colega da manicure da vizinha da irmã de alguém.

Mas a convivência estendida persiste nos causos. Gosto muito de ouvir meus amigos falando sobre os amigos deles, como aquelas histórias que não aconteceram com a gente mas foram com alguém tão próximo que é quase a mesma coisa.

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"Diga-me com quem andas e te direi quem és", não por conta de com quem você anda, mas pelo seu jeitinho de dizer sobre essas pessoas.

Eu sou doido pelas histórias de quem vive perto de mim. "Minha amiga apareceu no Cidade Alerta!", "meu amigo tirou férias lá e levou golpe de um vendedor na praia", essas coisinhas fascinantes que acontecem com as pessoas que a gente tem carinho e que acabam fazendo parte da nossa história também.

Minha reparança não é necessariamente no caráter desses outros amigos citados no discurso. Prefiro prestar atenção em como estão os olhos de quem conta a história.

A pessoa está com orgulho do amigo dela? O olhar está aceso, iluminado com a presença do seu amigo em pensamento?
Mesmo que num comentário ácido, num momento de fofoquinha, essa acidez vem acompanhada de um açúcar, fazendo uma caipirinha afetiva?

Minha prioridade tem sido conviver só com quem fica feliz ao observar a vida de quem tem por perto.
Não porque a probabilidade de eles me amarem também é maior. É porque eles sabem aproveitar o amor que tem, mesmo. 

É mais gostoso cozinhar pra quem é bom de garfo.

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